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cap. 4 ao 7

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

4. Acordando

O tempo passa. Mesmo quando isso parece impossível. Mesmo quando cada tique do

relógio faz sua cabeça doer como se fosse um fluxo de sangue passando por uma ferida.

Ele passa desigual, em estranhos solavancos e levando a calmaria embora, mas ele

passa. Mesmo pra mim.

O pulso de Charlie bateu na mesa.

"É isso, Bella! Eu vou te mandar pra casa".

Eu olhei pra cima desviando meus olhos do cereal, que eu estava mais cutucando do que

comendo, e olhei pra Charlie chocada.

Eu não estava acompanhando a conversa - na verdade eu nem tinha reparado que

eestávamos tendo uma conversa - e eu não tinha certeza do que ele queria dizer.

"Eu

 

estou

em casa", eu murmurei, confusa.

"Eu vou te mandar pra Renée, pra Jacksonville", ele esclareceu.

Charlie observou exasperado enquanto eu lentamente me dava conta do sentido das suas

palavras.

"O que foi que eu fiz?", eu sentí meu rosto se amassar. Isso era tão injusto. Meu

comportamento esteve acima de qualquer reprimenda nesses últimos quatro meses.

Depois daquela primeira semana, que nenhum de nós mencionou, eu não perdí nem um

dia de aula ou de trabalho. Minhas notas estavam perfeitas. Eu nunca desrespeitei o

toque de recolher - eu nunca ia pra lugar nenhum pra quebrar o toque de recolher em

primeiro lugar. Eu muito raramente servia sobras.

Charlie fez uma carranca.

"Você não

fez nada. Esse é o problema. Você nunca faz nada".

"Você quer que eu me envolva em problemas?" Eu me perguntei, minhas sobrancelhas

ficando juntas de mistificação. Eu fiz um esforço pra prestar atenção. Não era fácil. Eu

estava tão acostumada a desligar as coisas, meus ouvidos estavam desacostumados.

"Problema seria melhor do que isso... essa amorfinação o tempo inteiro!"

Isso me deixou com um pouco de remorso. Eu fui tão cuidadosa pra evitar de todas as

formas parecer sombria, morfinação incluído.

"Eu não estou amorfinada".

"Palavra errada", ele concedeu mal humorado. "Amorfinação seria melhor - isso seria fazer

 

alguma coisa

. Você só está... sem vida, Bella".

"Eu acho que essa é a palavra que eu quero".

Essa acusação fez a ficha cair. Eu suspirei e tentei colocar alguma animação na minha

resposta.

"Me desculpe, pai" Minhas desculpas pareceram um pouco vazias, até pra mim. Eu

pensei que estivesse enganando ele. Manter Charlie longe do sofrimento era o único

motivo pra todo esse esforço. Que deprimente pensar que todo o esforço foi em vão.

"Eu não quero que você se desculpe".

Eu suspirei. "Então me diga o que você quer que eu faça".

"Bella", ele hesitou, observando a minha reação ás suas próximas palavras. "Querida,

você não é a primeira pessoa que passa por esse tipo de coisa, sabe".

"Eu sei disso" A careta que se seguiu as minhas palavras foi flácida e sem impressão.

"Escute, querida. Eu acho que - talvez você precise de ajuda"

"Ajuda?"

Ele pausou, procurando pelas palavras de novo. "Quando sua mãe foi embora", ele

começou, fazendo uma careta, "e levou você com ela". Ele inalou profundamente,

"Bem, foi um momento muito ruim pra mim".

"Eu sei, pai", eu murmurei.

"Mas eu lidei com isso", ele apontou. "Querida, você não está lidando com isso. Eu

esperei, eu tinha esperanças de que você fosse melhorar". Ele olhou pra mim e eu olhei

pra baixo rapidamente. "Eu acho que nós dois sabemos que isso não está melhorando".

"Eu estou bem".

Ele me ignorou. "Talvez, bem, se você falasse com alguém sobre isso. Um

profissional".

"Você quer que eu veja um terapeuta?" Minha voz ficou mais afiada enquanto eu me

dava conta de onde ele estava querendo chegar.

"Talvez isso ajudasse".

"E talvez isso não ajudasse nem um pouquinho."

Eu não sabia muito sobre psicoanálises, mas eu sabia que não iria funcionar a menos

que o assunto fosse relativamente honesto. Claro, eu podia contar a verdade- se quisesse

passar o resto da minha vida numa cela acolchoada.

Ele examinou minha expressão obstinada, e mudou para outra linha de ataque.

"Isso está além de mim, Bella. Talvez sua mãe -"

"Olha", eu disse com uma voz plana. "Eu vou sair essa noite, se você quer. Eu ligo pra

Jess ou pra Angela".

"Não é isso que eu quero", ele discutiu, frustrado. "Eu não acho que conseguirei vendo

você tentar ainda

 

mais

. Doi só de olhar".

Eu fingí ser densa, olhando pra baixo pra mesa.

"Eu não entendo, pai. Primeiro você fica bravo porque eu não estou fazendo nada, e

então você diz que não quer que eu saia".

"Eu só quero que você seja feliz - não, nem isso tudo. Eu só não quero que você esteja

triste. Eu acho que você terá uma chance melhor se sair de Forks".

Meus olhos se lançaram pra cima com uma pequena centelha de sentimento que eu não

teria muito tempo pra pensar.

"Eu não vou embora", eu disse.

"Porque não?", ele quis saber.

"Eu estou no último semestre da escola - isso ia estragar tudo".

"Você é uma boa aluna - você dá um jeito".

"Eu não quero aglomerar mamãe e Phil"

"Sua mãe está morrendo pra você voltar".

"A Flórida é quente demais".

O punho dele bateu na mesa de novo. "Nós dois sabemos o que está acontecendo aqui,

Bella, e isso não é bom pra você". Ele respirou fundo. "Já se passaram meses. Nada de

ligações, nada de cartas, nenhum contato. Você não pode continuar esperando por ele".

Eu olhei pra ele. O calor quase, mas não completamente, alcançou meu rosto. Já fazia

muito tempo que eu não corava com nenhuma emoção.

Esse assunto todo era completamente proibido, e ele sabia muito bem.

"Eu não estou esperando nada. Eu não espero nada". Eu disse num tom baixo e

uniforme.

"Bella -", Charlie começou, com a voz grossa.

"Eu tenho que ir para a escola", eu interrompí, me levantando e puxando o meu café da

manhã intocado da mesa. Eu joguei minha tigela na pia sem parar pra lavá-la. Eu não

podia mais lidar com essa conversa.

"Eu farei planos com Jéssica", eu falei por cima do ombro enquanto pegava minha

mochila da escola, sem olhar pros olhos dele. "Talvez eu não volte pra casa pra o jantar.

Nós iremos pra Port Angeles e assistiremos um filme".

Eu já tinha saído pela porta da frente antes que ele pudesse reagir.

Na minha pressa de fugir de Charlie, eu acabei sendo uma das primeirar a chegar na

escola. O lado bom disso é que eu encontrei uma vaga muito boa no estacionamento. O

lado ruim era que eu tinha muito tempo livre nas mãos, e eu tentava evitar ter tempo

livre a qualquer custo.

Rapidamente, antes que eu pudesse pensar nas acusações de Charlie, eu puxei meu livro

de Calculo. Eu o abrí na seção que deveríamos estar começando hoje, e tentei entender

alguma coisa. Ler matemática era ainda pior do que ouvir, mas eu estava ficando melhor

nisso. Nós últimos meses, eu gastei dez vezes mais tempo com Cálculo do que eu já

havia gastado com Matemática em toda a minha vida. Como resultado, eu estava

conseguindo manter um alto 10. Eu sabia que o Sr. Varner sentia que a minha melhora

provinha dos seus métodos superiores de ensino. E se isso fazia ele se sentir feliz, eu

não ia estourar a bola dele.

Eu continuei entretida nisso até que o estacionamento já estava lotado, e eu acabei tendo

que me apressar para a aula de Inglês. Nós estávamos trabalhando com

 

Animais de

fazenda

 

, um assunto muito fácil. Eu não me importava com o comunismo; e foi uma

mudança bem vinda de todos aqueles romances exautivos que ficavam bem no

currículo. Eu sentei no meu lugar, feliz pela distração do Sr. Berty em sua dissertação.

O tempo se movia facilmente quando eu estava na escola. O sino sempre tocava cedo

demais. Eu comecei a arrumar minha bolsa.

"Bella?", eu reconhecí a voz de Mike, e já sabia quais seriam as suas palavras antes que

ele as disesse.

"Você vai trabalhar amanhã?"

Eu olhei pra cima. Ele estava se inclinando na fila de cadeiras com uma expressão

ansiosa. Toda sexta feira ele me fazia a mesma pergunta. Não importava que eu nunca

tivesse tirado um dia de folga. Bem, com uma excessão, há meses atrás. Mas ele não

tinha nenhum motivo pra olhar pra mim com tanta preocupação. Eu era uma empregada

modelo.

"Amanhã é Sábado, não é?", eu disse.

Tendo acabado de ser apontada por Charlie por causa disso, eu me dei conta do quanto a

minha voz realmente parecia sem vida.

"É, é sim", ele concordou. "Te vejo na aula de Espanhol". Ele acenou uma vez antes de

virar as costas. Ele não se incomodava mais em me acompanhar ás aulas.

Eu agarrei o livro de Cálculo com uma expressão severa. Essa era a aula em que eu me

sentava perto de Jéssica.

Já faziam semanas, talvez meses, desde que Jéssica seguer me cumprimentou no

corredor. Eu sabia que havia a ofendido com o meu comportamento antisocial, e ela

estava amuada. Não ia ser fácil falar com ela agora - especialmente pedir pra ela me

fazer um favor.

Eu pesei minhas opções cuidadosamente enquanto eu vadiava saindo da sala, me

demorando.

Eu não ia enfrentar Charlie de novo sem algum tipo de relatório interativo da minha

vida social. Eu sabia que não podia mentir, apesar do pensamento de ir e voltar de Port

Angeles dirigindo sozinha - só pra ter certeza que o hodômetro refletia a minha

milhagem no caso de ele checar - era muito tentador. A mãe de Jéssica era a maior

fofoqueira da cidade, e Charlie era capaz de correr até a Sra. Stanley mais cedo ou mais

tarde. Mentir não era uma opção.

Com um suspiro, eu abrí a porta.

O Sr. Varner me deu um olhar negro - ele já havia começado a aula. Eu corrí pro meu

lugar. Jéssica não olhou pra cima quando eu sentei ao lado dela. Eu estava feliz por ter

cinquenta minutos pra me preparar mentalmente.

Essa aula voou ainda mais rápido que Inglês. Uma pequena parte dessa velocidade se

devia a minha ótima preparação essa manhã na caminhonete - mas a maior parte se

devia ao fato de que o tempo sempre corria mais rápido pra mim quando ia acontecer

alguma coisa ruim.

Eu fiz uma careta quando o Sr. Varner dispensou a classe cinco minutos antes. Ele

sorriu como se estivesse sendo bonzinho.

"Jess?", meu nariz se torceu enquanto eu bajulava, esperando que ela se virasse pra

mim.

Ela se virou na cadeira pra me encarar, me olhando incrédulamente.

"Você está falando

 

comigo

, Bella?"

"É claro", eu abri meus olhos pra sugerir inocência.

"O que? Você precisa de ajuda com Cálculo?" O tom dela era um pouco ácido.

"Não", eu balancei minha cabeça. "Na verdade, eu queria saber se você... poderia vir ao

cinema comigo hoje á noite? Eu preciso muito de uma noite só pra garotas". As palavras

pareceram rígidas, como frases mal feitas, ela pareceu suspeitar.

"Porque você está pedindo pra

mim?" Ela perguntou, ainda não amigável.

"Você é a primeira pessoa em quem eu penso quando eu quero um momento de

garotas". Eu sorrí. Eu esperava que o sorriso parecesse genuíno. Isso provavelmente era

verdade. Pelo menos ela foi a primeira pessoa em quem eu pensei quando quis evitar

Charlie. Isso era a mesma coisa.

Ela pareceu amolecer. "Bem, eu não sei".

"Você tem planos?"

"Não... eu acho que posso ir com você. O que você quer assistir?"

"Eu não tenho certeza do que está passando", eu cerquei. Essa era a pegadinha. Eu

procurei no meu cérebro por uma idéia - eu não tinha ouvido alguém falar de um filme

recentemente? Visto um cartaz? "Que tal aquele da presidenta?"

Ela me olhou estranha. "Bella, esse já saiu do cinema há um 

tempão"

"Oh", eu fiz uma carranca. "Tem alguma coisa que você gostaria de ver?"

A tagarelice natural de Jéssica começou a vazar a despeito de sí mesma enquanto ela

falava em voz alta.

"Bem, tem essa nova comédia romântica que está recebendo ótimas críticas. Eu quero

ver esse. E o meu pai viu

 

Dead End

e gostou muito".

Eu fiquei sem fôlego pelo título promissor. "Sobre o que esse fala?"

"Zumbís ou alguma coisa assim". Eu prefería lidar com zumbís de verdade a ter que

assistir um romance.

"Ok", ela pareceu surpresa pela minha resposta. Eu tentei me lembrar se gostava de

filmes de terror, mas eu não tinha certeza. "Você quer que eu vá te pegar depois da

escola?", ela se ofereceu.

"Claro".

Jéssica sorriu pra mim tentadoramente amigável antes de ir embora.

Meu sorriso de resposta foi um pouco atrasado, mas eu acho que ela viu.

O resto do dia passou rapidamente, meus pensamentos estavam focados nos planos pra

hoje á noite. Eu sabia por experiência que assim que eu conseguisse fazer Jéssica

começar a falar, eu seria capaz de escapar com umas respostas murmuradas nos

momentos apropriados. Somente a mínima reação seria requerida.

A grossa neblina que tomava conta dos meus dias agora me deixava confusa ás vezes.

Eu me surpreendí ao me ver em meu quarto, sem me lembrar claramente da viagem pra

casa da escola ou de abrir a porta da frente. Mas isso não importava. Perder a noção do

tempo era o máximo que eu podia pedir da vida.

Eu não lutei contra a neblina quando me virei pra o meu armário. O entorpecimento era

mais ecenssial em uns lugares do que em outros. Eu mal registrava o que estava

procurando enquanto eu deslizei a porta para o lado para revelar a pilha de lixo do outro

lado do meu armário, embaixo das roupas que eu nunca usava.

Meus olhos não se aproximaram do saco de lixo preto onde eu guardava os meus

presentes do último aniversário, não viram o formato do som onde ele ficava ao lado da

sacola preta; eu não quis pensar na bagunça que minhas unhas haviam ficado quando eu

terminei de arrancá-lo do painél do carro.

Eu arranquei a bolsa que eu raramente usava do cabide onde ela ficava pendurada, e

fechei a porta.

Nessa hora eu ouví a buzina. Eu rapidamente troquei a carteira da bolsa da escola para a

bolsa. Eu estava com pressa, como se a pressa fosse de alguma forma fazer a noite

passar mais rápido.

Eu olhei pra mim mesma no espelho do corredor antes de abrir a porta, arranjando meu

rosto cuidadosamente com um sorriso e tentando segurar ele lá.

"Obrigada por vir comigo essa noite", eu disse á Jees quando escorreguei no banco do

passageiro, tentando infundir meu tom de gratidão. Já fazia algum tempo que eu não

pensava no que dizer a alguem que não fosse Charlie. Jess era mais difícil. Eu não tinha

certeza de quais emoções fingir.

"Claro. Então, o que causou isso?", Jess quis saber enquanto dirigia na minha rua.

"Causou o que?"

"O que de repente fez você decidir... sair?" Parecia que ela tinha mudado a pergunta

bem no meio.

Eu levantei os ombros. "Eu só precisava de uma mudança".

Eu reconhecí a música no rádio, e rápidamente alcancei o botão pra mudá-la. "Você se

importa?", eu perguntei.

"Não, vá em frente".

Eu procurei pelas estações até encontrar uma que não oferecia perigo. Eu dei uma

espiada na expressão de Jess enquanto a música enchia o carro.

Os olhos dela se esbugalharam. "Desde quando você escuta rap?"

"Eu não sei", eu disse. "Tem um tempo".

"Você gosta disso?", ela perguntou duvidosamente.

"Claro".

Ia ser muito mais difícil interagir com Jéssica se eu tivesse que trabalhar com os tons

das músicas também. Eu balancei a cabeça, esperando que estivesse de acordo com o

ritmo da música.

"Ok...", ela olhou pelo parabrisa com olhos esbugalhados.

"Então o que é que tá acontecendo entre você e Mike esses dias?" eu perguntei

rapidamente.

"Você vê ele mais do que eu".

Essa pergunta não a fez começar a falar como eu esperava.

"É difícil conversar no trabalho" eu murmurei, e então tentei de novo. "Você tem saído

com alguém ultimamente?"

"Na verdade não. Eu saio com Conner de vez em quando. Eu saí com Eric a duas

semanas atrás", ela revirou os olhos, e eu pressentí uma longa história. Eu me agarrei á

oportunidade.

"Eric

 

Yorkie?

"

"Quem convidou quem?"

Ela gemeu, ficando mais animada. "Foi ele, é claro! Eu não pensei numa maneira gentil

de dizer não".

"Onde ele te levou?" eu quis saber, sabendo que ela ia interpretar a minha ansiosidade

como interesse. "Me conte tudo"

Ela se lançou na história, e eu me arrumei no meu banco, mais confortável agora. Eu

prestei muita atenção, murmurando com simpatia e ofegando de horror quando a

situação pedia. Quando ela acabou com a história de Eric, ela continuou fazendo uma

comparação de com Conner sem nenhum pudor.

O filme havia começado mais cedo, então Jess achou que sairíamos perto do crepúsculo

e podíamos comer depois.

Eu estava feliz de me juntar a qualquer coisa que ela quisesse; afinal, eu estava

conseguindo tudo o que eu queria - tirar Charlie da minha cola.

Eu mantive Jess falando nos trailers, assim eu pude ignorar eles mais facilmente. Mas

eu fiquei nervosa quando o filme começou. Um jovem casal estava andando na praia,

balançando as mãos e discutindo sua afeção mutual numa falsidade boba. Eu resistí a

vontade de cobrir meus ouvidos e começar a cantarolar. Eu não tinha pedido romance.

"Eu achei que tínhamos ecolhido o filme de zumbí", eu assobiei pra Jéssica.

"Esse

é o filme de zumbí".

"Então porque é que ninguém está sendo comido?", eu perguntei desesperadamente.

Ela olhou pra mim com olhos arregalados que eram quase alarmados.

"Eu tenho certeza de que essa parte vai chegar", ela sussurrou.

"Eu vou comprar pi8poca. Você quer?"

"Não, obrigada".

Alguém pediu silêncio atrás de nós.

Eu usei meu tempo esperando no balcão, observando o relógio e debatendo qual a

porcentagem dos noventa minutos do filme podia ser de partes românticas. Eu decidí

que dez minutos era mais que o suficiente, mas eu parei bem na porta da entrada, só pra

ter certeza.

Eu podia ouvir gritos horrorizados ressoando dos autofalantes, então eu soube que tinha

esperado tempo suficiente.

"Você perdeu tudo", Jess murmurou quando eu escorreguei de volta no meu lugar.

"Quase todo mundo já é zumbí agora".

"Fila grande". Eu oferecí a pipoca pra ela. Ela pegou uma mão cheia

O resto do filme incluía horriveis ataques zumbís, e gritos ianacabaveis das pessoa que

eram deixadas vivas, o número delas diminuia rapidamente. Eu teria pensado que não

havia nada pra me incomodar. Mas eu me sentí incomodada, e a princípio não sabia

porque.

Não foi até quase o final, enquanto eu observava o zumbí camabaleando atrás do último

sobrevivente, que eu me dei conta de qual era o problema. A cena ficava sendo cortada

entre o rosto horrorizado da heroína, e o do rosto morto, sem expressão do perseguidor

dela, e pra frente e pra trás enquanto a distância diminuia.

E aí eu me dei conta de qual dos dois me assemelhava mais.

Eu fiquei de pé.

"Onde você tá indo? Ainda faltam, tipo, dois minutos", Jess assobiou.

"Eu preciso de uma bebida", eu murmurei enquanto corria para a saída.

Eu me sentei no banco no lado de fora do cinema e tentei muito não pensar na ironia.

Mas era irônico, considerando tudo, que, no final, eu tinha me tornado um

 

zumbí

. Eu

não tinha pensado nisso.

Não que eu já não tenha sonhado em me tornar uma criatura mística - só nunca uma

grotesca, um cadáver animado. Eu balancei minha cabeça pra tirar minha cabeça

daquela trilha de pensamento, me sentindo um pouco em pânico. Eu não podia me dar

ao luxo de pensar no que eu havia sonhado um dia.

Era deprimente pensar que eu não era mais a heroína, que minha história havia acabado.

Jéssica saiu pela porta do cinema e hesitou, provavelmente se perguntando onde seria o

melhor lugar pra procurar por mim. Quando ela me viu, ela pareceu aliviada, mas só por

um momento. Depois ela pareceu irritada.

"O filme era assustador demais pra você?" Ela se perguntou.

"É", eu concordei. "Eu acho que sou só uma covarde".

"Isso é engraçado", ela fez uma carranca. "Eu não pensei que você

 

estivesse

assustada -

eu estava gritando o tempo inteiro, mas não ouví você gritar nenhuma vez. Então eu não

sei porque você saiu".

Eu levantei os ombros. "Só medo".

Ela relaxou um pouco. "Eu acho que esse foi o filme mais assustador que eu já assistí.

Eu aposto que nós teremos pesadelos hoje á noite".

"Sem dúvidas quanto a isso" eu disse, tentando manter minha voz normal. Era

inevitável que eu tivesse pesadelos, mas eles não seriam sobre zumbís. Os olhos dela

olharam pro meu rosto e se desviaram. Talvez eu não tivesse tido sucesso com a minha

voz normal.

"Onde você quer comer?", Jess perguntou.

"Eu não ligo".

"Ok".

Jess começou a falar sobre o ator principal do filme enquanto andávamos. Eu acenava

com a cabeça enquanto ela tagarelava sobre a gostosura dele, incapaz de me lembrar de

algum homem que não fosse zumbí.

Eu não ví pra onde Jéssica estava me levando. Eu apenas estava vagamente consciente

de que estava mais escuro e mais quieto agora. Eu demorei mais do que devia pra

perceber porque estava quieto. Jéssica tinha parado de tagarelar. Eu olhei pra ela

lamentosamente, esperando não ter magoado seus sentimentos. Jéssica não estava

olhando pra mim. O rosto dela estava tenso; ela olhava diretamente pra frente e andava

mais rápido. Enquanto eu observava, os olhos dela se dirigiram rapidamente pra direita,

através da rua, e voltaram de novo.

Eu mesma olhei ao redor pela primeira vez.

Nós estávamos numa curta extensão da calçada sem iluminação. As pequenas lojas

alinhadas na rua estavam todas fechadas para a noite, as janelas estavam negras. Meio

quarteirão á frente, as luzes da rua começavam de novo, e eu podia ver, mais á frente, os

brilhantes arcos dourados do McDonald's pra onde ela estava seguindo.

Do outro lado da rua havia um lugar aberto. As janelas estavam cobertas pelo lado de

dentro e haviam letreiros de néon, propagandas para diferentes tipos de cerveja,

brilhando na frente deles. O maior letreiro, num verde brilhante, era o nome do bar -

Pete de Um Olho. Eu me perguntei se havia alguma espécie de tema pirata que não era

visível pelo lado de fora. As portas de metal estavam abertas; estava fracamente

iluminado lá dentro, e o baixo murmúrio de muitas vozes e o som de gelo batendo em

copos de vidro flutuava através da rua. Se inclinando na parede do lado da porta haviam

quatro homens.

Eu olhei de volta pra Jéssica. Os olhos dela estavam fixos no caminho em frente e ela se

movia bruscamente. Ela não parecia assustada - só cautelosa, tentando não atrair a

atenção pra sí mesma.

Eu parei sem pensar, olhando de volta pra os quatro homens com um forte senso de déjá

vu. Essa era uma rua diferente, uma noite diferente, mas a cena era muito parecida. Um

deles era até baixinho e meio escuro. Enquanto eu parava e me virava na direção deles,

esse ai olhou pra mim interessado.

"Bella?" Jess sussurrou.

"O que é que você tá fazendo?"

Eu balancei a cabeça, sem ter certeza. "Eu acho que eu conheço eles...", eu murmurei.

O que era que eu estava fazendo? Eu devia estar correndo dessa memória o mais rápido

que podia, bloqueando a imagens daqueles quatro homens na minha mente, me

protegendo com a entorpecência sem a qual eu não podia mais viver. Porque eu estava

pisando, confusa, na rua?

Me pareceu conhecidência demais que eu estivesse em Port Angeles com Jéssica, e até

mesmo numa rua escura. Meus olhos estavam focados no baixinho, tentando juntar as

imagens com as minhas memórias do homem que havia me ameaçado naquela noite a

quase um ano atrás. Eu imaginei se havia algum jeito de reconhecer aquele homem, se

aquele era realmente ele. Aquela parte em particular daquela noite em particular era só

um borrão. Meu corpo se lembrava daquilo melhor que minha mente; a tensão nas

minhas pernas enquanto eu decidia se era melhor correr ou ficar no lugar, a minha

garganta seca enquanto eu tentava construir um grito decente, a pele repuxada dos meus

dedos quando eu fechei minhas mãos nos pulsos, os arrepios no péscoço quando o

homem de cabelo escuro me chamou de "docinho"...

Havia um tipo de ameaça indefinito, insinuante nesses homens que não tinha nada a ver

com aquela noite. Ela crescia pelo fato deles serem estranhos, e estava escuro aqui, e

eles estavam num número maior que nós - nada mais específico que isso.

Mas isso foi o suficiente para a voz de Jéssica demonstrar pânico quando ela me

chamou.

"Bella, vamos

 

logo

!"

Eu ignorei ela, andando vagarosamente em frente sem nem sequer tomar uma decisão

consciente de mexer meus pés. Eu não entendia porque, mas a ameaça nebulosa que

aqueles homens representavam me arrastava pra eles. Era um impulso sem sentido, mas

eu não havia sentido

 

nenhum

tipo de impulso por tanto tempo... que eu resolvi segui-lo.

Alguma coisa familiar pulsou nas minhas veias.

Adranalina, eu me dei conta, que há muito estava ausente do meu sistema, fazendo o

meu pulso bater mais rápido, e lutando contra a falta de sensações. Isso era estranho -

porque a adrenalina quando não havia nenhum medo por perto? Era quase como um eco

da última vez que eu estive assim, numa rua escura em Port Angeles com estranhos.

Eu não via motivos pra ter medo. Eu não podia imaginar mais nada no mundo de que eu

pudesse ter medo, nada físico, pelo menos. Uma das poucas vantagens de perder tudo.

Eu já estava no meio da rua quando Jess me alcançou e agarrou meu braço.

"Bella, você pode entrar num bar!", ela assobiou.

"Eu não vou entrar", eu disse ausentemente, tirando a mão dela de mim. "Eu só quero

ver uma coisa..."

"Você está louca?" ela sussurrou. "Você é uma suicida?"

Essa pergunta me chamou a atenção, e meus olhos se focaram nela.

"Não, eu não sou", minha voz pareceu defensiva, mas tudo era verdade. Eu não era uma

suicida. Nem no começo, quando inquestionavelmente a morte seria um alívio, eu

considerei isso. Eu devia muito á Charlie. Eu me sentia responsável por Renée. Eu tinha

que pensar neles.

E eu havia feito uma promessa de não fazer nada estúpido ou sem pensar. Por todas

essas razões, eu ainda estava respirando.

Me lembrando dessa promessa, eu sentí uma pontada de culpa.

Mas isso que eu estava fazendo agora não contava de verdade. Não era como se eu

estivesse passando uma navalha nos pulsos.

Os olhos de Jess olharam em volta, a boca dela ficou escancarada. A pergunta dela

sobre suicídio era retórica, eu percebi tarde demais.

"Vá comer", eu a encorajei, acenando na direção do fast food. Eu não gostei do jeito que

ela olhou pra mim. "Eu vou atrás em um minuto".

Eu me virei de costas pra ela, de volta pra os homens que estavam olhando pra nós com

olhos divertidos, curiosos.

"Bella, pare com isso agora!"

Meus musculos se travaram, me congelando onde eu estava. Porque não era a voz de

Jéssica que me repreendia agora.

Era uma voz furiosa, uma voz familiar, uma voz linda - macia como veludo mesmos

estando irritada.

Era a voz

 

dele

- eu era exepcionalmente cuidadosa pra não pensar no nome dele - e eu

estava surpresa de ver que o som dela não fez meus joelhos fraquejarem, me derrubando

no pavimento com a tortura da perda.

Mas não havia dor, nenhum pouco.

No instante que eu ouví a voz dele, tudo ficou muito claro. Como se minha cabeça

tivesse emergido de alguma piscina escura. Eu estava mais consciente de tudo - a visão,

os sons, a sensação do vento frio que eu não havia percebido que estava soprando no

meu rosto, os cheiros vindos da porta aberta do bar.

Eu olhei ao redor chocada.

"Volte pra Jéssica", a amável voz ordenou, ainda com raiva. "Você prometeu- nada

estúpido".

Eu estava sozinha. Jéssica estava á alguns metros de distância de mim me olhando com

olhos assustados. Contra a parede, os estranhos observavam, confusos, imaginando o

que eu estava fazendo, ficando em pé sem me mexer no meio da rua.

Eu balancei minha cabeça, tentando entender. Eu sabia que ele não estava lá, e mesmo

assim, eu o sentia improvavelmente perto, perto pela primeira vez desde... desde o fim.

A raiva na voz dele era de preocupação, a mesma raiva que uma vez já me foi muito

famíliar - uma coisa que eu já não ouvia pelo que pareceu ser uma vida inteira.

"Mantenha sua promessa". A voz estava desaparecendo, como se eu estivesse baixando

o volume de um rádio.

Eu comecei a suspeitar que estava tendo algum tipo de alucinação. desencadeada, sem

dúvida, pela memória - o deja vu, a estranha familiaridade da situação.

Eu corrí as possibilidades rapidamente na minha cabeça.

Opção um: eu estava louca. Esse era um termo apropriado pra pessoas que costumam

ouvir vozes em sua cabeças.

Possível.

Opção dois: minha mente subconsciente estava me dando o que ela achava que queria.

Esse era o desejo de cumprimento - um alívio momentâneo da dor que abraçava a idéia

incorreta de que

 

ele

se importava se eu estava viva ou morta.

Eu estava projetando o que ele diria se A) ele estivesse aqui, e B) se ele estivesse de

alguma forma se incomodando com o que pudesse acontecer comigo.

Provável.

Eu não podia ver uma terceira opção, então eu esperava que fosse a segunda opção e

que isso fosse só o meu subconsciente ficando furioso, do que alguam coisa que

acabasse me levando pro hospital.

A minha reação não foi muito sã, contudo - eu fiquei

 

agradecida

. O som da voz dele era

uma coisa que eu temia estar perdendo, então, mais do que qualquer coisa, eu senti uma

gratidão dominante porque o meu subconsciente havia guardado esse som melhor do

que a minha mente consciente.

Eu não tinha permissão pra pensar nele. Isso era uma coisa com a qual eu tentava ser

bem restrita. É claro que as vezes eu escorregava; eu sou só humana. Mas eu estava

melhorando, e então agora a dor era uma coisa da qual eu podia me afastar por dias.

O custo era uma entorpecência que não acabava nunca. Entre a dor e o nada, eu escolhi

o nada.

Eu esperei pela dor agora. Eu não estava entorpecida - meus sentidos estavam

estranhamente intensos depois de tanto tempo na neblina - mas a dor normal não

apareceu. A única dor foi o desapontamento porque a voz estava desaparecendo.

Havia uma segunda escolha.

A coisa inteligente a fazer seria correr desses pensamentos potencialmente - e

certamente mentalmente instáveis - destrutivos. Seria burrice encorajar essas

alucinações.

Mas a voz estava desaparecendo.

Eu dei outro passo em frente, testando.

"Bella, vire-se", ele rosnou.

Eu suspirei aliviada. A raiva era o que eu queria ouvir - uma evidência falsa, fabricada,

de que ele se importava, um presente duvidoso do meu subconsciente.

Muitos poucos segundos se passaram enquanto eu resolvia tudo isso. Minha pequena

platéia assistia, curiosa. Talvez parecesse que eu estava me decidindo se eu ia ou não

me aproximar deles. Como é que eles podiam adivinhar que eu estava em pá

aproveitando um inesperado momento de insanidade?

"Oi", um dos homens chamou, seu tom era confiante e um pouco sarcástico. Ele era

gordinho e cabeludo, e tinha uma postura que quem se achava realmente muito bonito.

Eu não podia dizer se ele era ou não. Eu estava lesada.

A voz na minha cabeça respondeu com um rosnado notável. Eu sorrí, e o homem

confiante achou que eu o estava encorajando.

"Eu posso te ajudar com alguma coisa? Você parece perdida". Ele sorriu e piscou.

Eu pisei cuidadosamente na sarjeta, a água corrente era preta na escuridão.

"Não. Eu não estou perdida".

Agora que eu estava mais próxima - e meus olhos se focaram estranhamente - eu

analisei o homem baixinho, escuro. Ele não era familiar de jeito nenhum. Eu sofrí uma

curiosa sensação de decepção porque aquele não era o terrível homem que tentou me

machucar quase um ano atrás.

A voz na minha cabeça estava quieta agora.

O homem baixinho reparou no meu olhar. "Eu posso te comprar uma bebida?", ele

ofereceu, nervoso, parecendo lisonjeado por eu ter escolhido olhar pra ele.

"Eu sou jovem demais", eu respondí automaticamente.

Ele estava confuso - imaginando porque eu tinha me aproximado deles.

Eu me sentí compelída a explicar.

"Do outro lado da rua, você me pareceu alguém que eu conhecia. Desculpe, erro meu".

A ameaça que havia me empurrado pela rua havia evaporado. Esses não eram os

homens perigosos dos quais eu me lembrava. Eles provavelmente eram caras legais.

Salva. Eu perdí o interesse.

"Tudo bem", o loiro confiante disse. "Fique e se divirta conosco".

"Obrigada, mas eu não posso" Jéssica estava hesitando no meio da rua, seus olhos

estavam arregalados de ultraje e traição.

"Oh, só alguns minutos".

Eu balancei minha cabeça, e me virei pra me juntar á Jéssica.

"Vamos comer", eu sugerí, mal olhando pra ela.

Apesar de eu parecer estar, no momento, livre da abstração zumbí, eu ainda estava

distante. Minha mente estava preocupada. A entorpecência segura, morta, não voltou, e

eu fui ficando mais ansiosa a cada minuto que se passava sem que ela voltasse.

"O que era que você estava pensando?" Jéssica disparou. "Você não conhecia eles - eles

podiam ser psicopátas!"

Eu levantei os ombros, esperando que ela deixasse pra lá. "Eu só pensei que conhecia

um dos caras".

"Você é tão estranha, Bella Swan. Eu sinto como se não soubesse quem você é".

"Desculpa", eu não pensei em mais nada pra dizer.

Nós caminhamos para o McDonald's em silêncio. Eu aposto que ela estava pensando

que seria melhor termos vindo de carro do que andando na pequena distância do o

cinema, assim ela poderia ter usado o drive-thru. Agora ela estava tão ansiosa pra essa

noite acabar quanto eu tinha estado desde o início.

Eu tentei começar uma conversa algumas vezes enquanto comíamos, mas Jéssica não

estava cooperando. Eu realmente devo ter ofendido ela.

Quando nós voltamos para o carro, ela colocou o rádio na estação favorita dela de novo

e aumentou o volume demais pra ser possível conversar.

Eu não tive que lutar como sempre pra ignorar a música. Mesmo a minha mente não

estando, pela primeira vez, cuidadosamente entorpecida e vazia, eu tinha coisas demais

pra pensar pra ouvir as letras.

Eu esperei a entorpecência voltar, ou a dor. Porque a dor devia estar vindo. Eu quebrei

minhas próprias regras. Ao invés de me esconder das memórias, eu andei em frente e as

cumprimentei. Eu tinha ouvido a voz dele, tão claramente, na minha cabeça. Isso ia me

custar caro, eu tinha certeza. Especialmente se eu não podia convocar a neblina pra me

proteger. Eu me sentí muito alerta, e isso me assustou.

Mas o alívio ainda era a sensação mais forte no meu corpo - alívio que aquilo tenha

vindo do íntimo do meu ser.

Mesmo eu lutando pra não pensar nele, eu não lutava pra

 

esquecê-lo

. Eu tive medo que -

tarde da noite, quando a exautão pela falta de sono quebrasse minhas defesas - que eu

acabasse

 

me dando por vencida. Eu tive medo que minha mente fosse como uma

peneira, e que algum dia eu não lembrasse mais a cor exata dos seus olhos, a sensação

do toque da pele fria dele, ou da textura da voz dele.

Eu podia

 

não pensar nisso, mas eu precisava me lembrar

disso.

Porque só havia uma coisa na qual eu precisava acreditar pra ser capaz de viver - eu

precisava saber que ele existia. Isso era tudo.

Tudo mais podia ser suportado. Contanto que ele existisse.

Era por isso que eu estava mais amarrada á Forks do que nunca, por isso eu lutei com

Charlie quando ele sugeriu uma mudança. Honestamente, isso não devia importar;

nenhum deles ia voltar pra cá.

Mas se eu fosse pra Jacksonville, ou qualquer outro lugar claro e familiar, como é que

eu podia ter certeza de que ele era real? Num lugar onde eu jamais poderia imaginá-lo, a

convicção ia acabar desaparecendo... e isso eu não poderia suportar.

Proibida de pensar, morrendo de medo de esquecer; era uma linha difícil de seguir.

Eu fiquei surpresa quando Jéssica parou o carro na frente da minha casa. A viagem não

foi longa, mas, mesmo curta do jeito que pareceu, eu não pensei que Jéssica pudesse

ficar tanto tempo sem falar nada.

"Obrigada por ter saído comigo, Jess", eu disse enquanto abria a porta. "Foi...

divertido". Eu esperava que

 

divertido

fosse uma palavra apropriada.

"Claro", ela murmurou.

"Eu lamento por... depois do filme".

"Tanto faz, Bella" Ela olhou pelo parabrisa ao invés de olhar pra mim. Ela parecia mais

estar ficando com raiva do que esquecendo.

"Te vejo Segunda?"

"É. Tchau".

Eu desistí e fechei a porta. Ela foi embora, ainda sem falar comigo.

Eu esquecí ela assim que cheguei em casa.

Charlie estava esperando por mim no meio do corredor, os braços cruzados com força

no peito com as mãos apertadas nos punhos.

"Oi, pai", eu disse ausentemente me desviando de Charlie, pra chegar nas escadas. Eu

estive pensando

 

nele

por tempo demais e eu queria estar lá em cima antes que a ficha

caísse.

"Onde você esteve?" Charlie quis saber.

Eu olhei pro meu pai, surpresa. "Eu fui no cinema em Port Angeles com Jéssica. Como

eu te disse essa manhã".

"Humph", ele grunhiu.

"Está tudo bem?"

Ele estudou meu rosto, os olhos se arregalados como se ele tivesse visto alguma coisa

inesperada. "É, tá tudo bem. Você se divertiu?"

"Claro", eu disse. "Nós assistimos um filme de zumbís que comiam pessoas. Foi ótimo".

Seus olhos se estreitaram.

"Boa noite, pai"

Ele me deixou passar. Eu corrí pro meu quarto.

Eu me deitei na minha cama alguns minutos depois, resignada como se a dor finalmente

tivesse aparecido.

Era uma coisa assustadora, essa sensação de que um buraco havia sido construído no

meu peito, fazendo meus órgãos vitais pararem de funcionar e deixando- os em trapos,

com cortes não curados nas beiradas que continuavam doendo e sangrando mesmo com

a passagem do tempo. Racionalmente, eu sabia que meus pulmões deviam estar

intactos, mas mesmo assim eu lutava por ar e minha cabeça rodava como se os meus

esforços não me levassem a nada. Meu coração devia estar batendo também, mas eu não

conseguia ouvir o barulho da pulsação nos meus ouvidos; minhas mãos pareciam azuis

de frio. Eu me curvei, abraçando minhas costelas pra me manter junta. Eu procurei pela

minha torpência, minha negação, mas elas tinham me abandonado.

E mesmo assim, eu achava que podia sobreviver. Eu estava alerta, eu sentia a dor - a dor

da perda que irradiava do meu peito, mandando ondas de dor pelos meus órgãos e

minha cabeça - mas era suportável.

Eu podia sobreviver. Eu não sentí que a dor tinha diminuído com o tempo, mas eu tinha

ficado forte o suficiente pra suportá-la.

O que quer que tenha acontecido essa noite - fossem os zumbís, a adrenalina, ou as

alunações os responsáveis - isso me acordou.

Pela primeira vez em muito tempo, eu não sabia o que esperar pela manhã.

5. Traidor

"Bella, porque você não tira uma folga", Mike sugeriu, seus olhos focados pra o lado,

sem olhar pra mim de verdade. Eu me perguntei a quanto tempo isso estava

acontecendo sem que eu me desse conta.

O movimento estava lento na Newton's. No momento só haviam dois clientes na loja,

pelo tom da conversa eles eram mochileiros dedicados. Mike passou a última hora

falando sobre os prós e os contras das mochilas mais leves com eles. Eles haviam tirado

uma folga da sua séria conversa sobre preços pra tentar trocarem conversas sobre os

últimos contos das trilhas. A distração deles deu a Mike uma chance de escapar.

"Eu não me importo de ficar", eu disse. Eu ainda não tinha conseguido voltar pra a

minha concha protetora de entorpecência, e tudo parecia estranhamente perto e alto

hoje, como se eu tivesse tirado algodão dos meus ouvidos. Eu tentei desligar a risada

alta dos mochileiros sem sucesso.

"Eu estou te dizendo", disse o homem atarracado com a barba alaranjada que não

combinava com o seu cabelo marrom. "Eu já ví ursos pardos bem de perto em

Yellowstone, e eles não tinham nada a ver com essa criatura". O cabelo dele estava

emaranhado, e as roupas dele pareciam estar sendo usadas há alguns dias. Fresca como

as montanhas.

"Sem chance. Ursos pretos não ficam tão grandes. Os pardos que você viu devem ter

sido filhotes". O segundo homem era alto e esguio, o rosto dele era bronzeado e ele

tinha um impressionante chicote de couro.

"Sério, Bella, assim que esses dois desistirem, eu vou fechar o lugar", Mike murmurou.

"Se você quer que eu vá...", eu levantei os ombros.

"Um dos quatro era maior que você", o barbudo insistiu enquanto eu juntava as minhas

coisas. "Grande como uma casa e preto como piche. Eu vou denunciar ao guarda

florestal daqui. As pessoas têm que ser informadas- isso não era no alto da montanha,

sabe - isso foi apenas há alguns metros de onde a trilha começava".

O outro cara riu e revirou os olhos.

"Me deixe adivinhar - você estava entrando? Não comeu comida que preste e dormiu no

chão por mais de uma semana, certo?"

"Ei, uh, Mike, certo?", o barbudo chamou, olhando na nossa direção.

"Te vejo segunda", eu murmurei.

"Sim, senhor", Mike respondeu, se virando.

"Diga, houveram avisos recentes por aqui - sobre ursos negros?"

"Não, senhor. Mas é sempre melhor manter a distância e guardar a sua comida

apropriadamente. Você já viu as novas latas á prova de ursos? Elas só pesam dois

quilos..."

As portas se abriram pra me deixar sair na chuva. Eu estava espremida por dentro do

meu casaco enquanto corria pra o meu carro.

A chuva batendo no meu capuz parecia estranhamente alta também, mas o som do

ronco do motor era mais alto que qualquer coisa.

Eu não queria voltar para a casa vazia de Charlie. A noite passada havia sido

particularmente brutal, e eu não tinha nenhuma intenção de revistar a cena do

sofrimento. Mesmo quando a dor diminuiu o suficiente pra me deixar dormir, ela não

foi embora. Como eu disse a Jéssica depois do filme, eu não tinha dúvidas de que teria

pesadelos.

Eu sempre tinha pesadelos agora, toda noite. Não pesadelos, na verdade, não no plural,

porque era sempre o

 

mesmo

pesadelo.

Você acharia que eu tinha ficado entediado depois de todos esses meses, que havia

ficado imune a isso. Mas meus sonhos nunca falhavam em me deixar assustada, e eles

só acabavam quando eu me acordava gritando. Charlie já não vinha mais pra ver o que

havia de errado, pra ter certeza de que não havia nenhum estranho me estrangulando ou

algo assim - agora ele já estava acostumado.

Meu pesadelo provavelmente nem assustaria outra pessoa. Nada pulava e gritava

"Boo!". Não haviam zumbís, ou fantasmas, ou psicopatas. Não havia nada, na verdade.

Só o nada. Só o labirinto sem fim de árvores cobertas de musgos, tão quietas que o

silêncio batia quase insuportavelmente nos meus ouvidos. Estava escuro, como neblina

ou um dia nublado, com luz suficiente apenas pra que eu visse que não havia mais nada

lá pra ver.

Eu me apressava na escuridão sem um caminho, sempre procurando, procurando,

procurando, ficando mais frenética enquanto o tempo passava, tentando me mover mais

rápido, apesar da velocidade me deixar mais desajeitada... Então chegava aquele ponto

no sonho - e eu podia sentí-lo chegando agora, mas eu não parecia ser capaz de me

acordar antes dele chegar - quando eu não conseguia me lembrar o que eu estava

procurando.

Então eu me dava conta de que não havia

 

nada

pra procurar, e nada pra encontrar. Eu

me dava conta de que nunca houve nada além dessa floresta vazia, melancólica, e nunca

houve nada além disso pra mim... nada além de nada...

Essa era geralmente a hora que eu me acordava gritando.

Eu não estava prestando atenção de pra onde estava dirigindo - só vagando pelas

estradas vazias, molhadas enquanto evitava o caminho que me levaria pra casa - porque

eu não tinha mais pra onde ir.

Eu desejei poder estar entorpecida de novo, mas eu não conseguia me lembrar de como

fazia isso antes.

O pesadelo estava cavalgando na minha cabeça e me fazendo pensar nas coisas que me

causavam dor. Eu não queria me lembrar da floresta. Mesmo quando eu me afastava das

imagens, eu sentia meus olhos se enchendo de lágrimas, e a dor começava a passar perto

do buraco no meu peito. Eu tirei uma mão do volante e usei-a pra agarrar meu tórax e

segurá-lo em um só pedaço.

Será como se eu nunca tivesse existido

 

. As palavras corriam pela minha cabeça, mas

faltava nelas a perfeita claridade das alucinações que eu tive ontem á noite. Eles eram só

palavras, sem som, como uma imagem numa página. Só palavras, mas elas abriram o

buraco no meu peito, e eu pisei bruscamente no freio, sabendo que não devia dirigir

estando incapacitada desse jeito.

Eu me curvei, pressionando meu rosto no volante e tentando respirar sem os pulmões.

Eu me perguntei quanto tempo isso podia durar. Talvez algum dia, anos mais tarde - se

a dor diminuisse de forma que eu pudesse aguentar - eu poderia olhar de volta para

aqueles meses que foram os melhores da minha vida. E, se fosse possível que a dor

diminuísse aponto de me permitir fazer isso, eu tinha certeza que me sentiria agradecida

pelo tempo que ele me deu. Mais do que eu pedí, mais do que eu merecia. Talvez algum

dia eu fosse capaz de ver as coisas desse jeito.

Mas e se o buraco nunca ficasse melhor? E se as beiras em carne viva nunca sarassem?

E se o dano fosse permanente e irreversível?

Eu me segurei com força.

 

Como se ele nunca tivesse existido

, eu pensei desesperada.

Que promessa estúpida e impossível pra se fazer! Ele podia roubar minhas fotos e pegar

seus presentes de volta, mas isso não fazia as coisas voltarem a ser como eram antes de

eu conhecê-lo. A evidência física era a parte mais insigificante de equação.

 

Eu

estava

mudada, por dentro eu estava mudada ao ponto de ser difícil me reconhecer.

Mesmo por fora eu parecia diferente - meu rosto pálido, exceto com os círculos que os

pesadelos haviam deixado embaixo dos meus olhos. Meus olhos estavam escuros o

sufíciente na minha pele pálida que - se eu fosse linda, vista á distância - eu podia me

passar por uma vampira agora. Mas eu não era linda, e provavelmente estava mais

próxima de um zumbí.

Como se ele nunca tivesse existido? Isso era loucura. Era uma promessa que ele nunca

poderia manter, uma promessa que já estava quebrada quando ele a fez.

Eu batí minha cabeça no volante, tentando me distrair da dor mais aguda.

Isso fez eu me sentir boba por estar lutando pra manter a

 

minha

promessa. Havia lógica

em tentar manter uma acordo que já havia sido quebrado por um dos lados? Quem se

importava se eu fosse estúpida e pouco cuidadosa? Não haviam motivos pra evitar a

falta de cuidado, não haviam motivos pra eu não ser estúpida.

Eu rí sem humor pra mim mesma, ainda sufocando por ar.

Sem cuidado em Forks - não havia uma proposta mais sem esperança.

O humor negro me distraiu, e a distração aliviou a dor. Minha respiração ficou mais

fácil, e eu fui capaz de me inclinar no banco.

Apesar de estar frio hoje, minha testa estava molhada de suor.

Eu me concentrei na proposta sem esperança pra evitar escorregar de volta para as

memórias dolorosas. Não não ser cuidadosa em Forks você precisaria ter muita

criatividade - talvez mais do que eu tinha. Mas eu desejei poder encontrar algum jeito...

Eu podia me sentir melhor se não estivesse segurando apertado, completamente sozinha,

um pacto quebrado. Se eu fosse uma quebradora de pactos também. Mas como eu ia

trair o meu lado do acordo, aqui nessa cidade tranquila? É claro, Forks não foi

 

sempre

assim tão tranquila, mas agora era exatamente o que ela aparentava ser. Era chata, era

segura.

Eu olhei pra fora pelo parabrisa por um longo momento, meus pensamentos se movendo

lentamente - eu não parecia ser capaz de fazer esse pensamentos irem pra lugar nenhum.

Eu desliguei o motor, que estava roncando de um jeito piedoso depois de ficar parado

por tanto tempo, e saí nos chuviscos.

A chuva fria pingava nos meus cabelos e então fazia cócegas pelas minhas bochechas

como lágrimas de água fresca. Isso ajudou a limpar minha cabeça. Eu pisquei pra tirar a

água dos meus olhos, olhando pra o nada na estrada.

Depois de alguns minutos olhando, eu reconhecí onde eu estava. Eu estacionei no meio

da Avenida Russel ao norte. Eu estava de pé na frente da casa dos Cheney - minha

caminhonete estava bloqueando a entrada para a garagem deles - e do outro lado da rua

moravam os Markeses. Eu sabia que precisava tirar a minha caminhonete, e que eu

precisava voltar pra casa. Era errado ficar perambulando do jeito que eu estava,

distraída e prejudicada, uma ameaça nas avenidas de Forks. Além do mais, alguém ia

reparar em mim em breve, e me denunciar pra Charlie.

Enquanto eu respirava fundo me preparando pra me mover, uma placa no quintal dos

Markeses chamou minha atenção - era só um pedaço grande de cartolina encostado na

caixa de correio deles, com letras pretas rabiscadas.

As vezes, o inesperado acontece.

Conhecidência? Ou será que era pra ser? Eu não sabia, mas parecia meio bobo pensar

que de alguma forma isso estava escrito, que a placa

 

Á VENDA, COMO SÃO

escrito á

mão para as delapidades motocicletas no quintal dos Markeses estava lá por algum

propósito maior, bem alí onde eu precisava que elas estivessem.

Então talvez isso não fosse o inesperado. Talvez houvessem outras maneiras de não ser

cuidadosa, e eu apenas não tivesse aberto os olhos pra elas.

Despreocupada e estúpida. Aquelas eram as palavras favoritas de Charlie ao se referir á

motocicletas.

O trabalho de Charlie não oferecia muita ação considerado aos tiras de cidades maiores,

mas ele era chamado em acidentes de trânsito.

Com as longas e molhadas extensões da pista virando e contornando ao redor da

floresta, ponto cego depois de ponto cego, não haviam poucos tipos de ação como

 

essa

.

Mas mesmo com os enormes barrís colocados nas curvas, a maioria das pessoas saia da

pista.

As excessões pra essa regra eram geralmente os motociclistas, e Charlie havia visto

muitas vítimas, quase sempre crianças, jogadas na pista.

Ele me fez prometer antes que eu tivesse dez anos que eu nunca aceitaria uma carona

numa moto.

Mesmo com essa idade, eu não precisei pensar duas vezes antes de prometer. Quem ia

querer andar de moto

 

aqui

? Seria como uma banho a sessenta quilômetros por hora.

Tantas promessas que eu cumpri...

Tudo se juntou pra mim nessa hora. Eu queria ser estúpida e irresponsável, e eu queria

quebrar promessas. Porque fazer um só?

Foi só até aí que eu pensei. Eu caminhei na rua até a porta da frente dos Markeses e

toquei a campainha.

Um dos garotos Marks veio abrir a porta, o mais novo, o novato. Eu não conseguia

lembrar o nome dele.

O cabelo cor de areia dele só alcançava o meu ombro.

Ele não teve problemas pra lembrar meu nome: "Bella Swan?", ele perguntou surpreso.

"Quanto você quer pela moto?" eu perguntei, apontando a palca de venda com o meu

polegar por cima do ombro.

"Você tá falando sério?", ele quis saber.

"É claro que estou".

"Elas não funcionam".

Eu suspirei impacientemente- isso eu já tinha deduzido pela placa.

"Quanto?"

"Se você realmente quer uma, pode pegar. Minha mãe fez o meu pai colocá-las lá pra

que elas fossem recolhidas com o lixo".

Eu olhei para as motos de novo e ví que elas estavam numa pilha de sacos no quintal

junto com uma pilha de galhos. "Você tem certeza disso?"

"Claro, você quer perguntar pra ela?"

Provavelmente fosse melhor não envolver adultos que podiam acabar comentando isso

com Charlie.

"Não, eu acredito em você".

"Você quer que eu te ajude?", ele se ofereceu. "Elas não são leves".

"Tudo bem, obrigada. Mas eu só preciso de uma".

"Pode levar as duas", o garoto disse. "Talvez você consiga reutilizar algumas partes".

Ele me seguiu no aguaceiro e me ajudou a carregar as duas motos pesadas e colocá-las

na traseira da minha caminhonete.

Ele parecia estar ansioso pra se livra delas, então eu não discutí.

"O que você vai fazer com elas, afinal?" ele perguntou. "Elas não funcionam a anos".

"Eu meio que adivinhei isso", eu disse, levantando os ombros. O meu momento de

inspiração não tinha vindo com um plano intacto. "Talvez eu as leve ao Dowling's".

Ele bufou. "Dowling vai cobras pra concertá-las mais do que elas valem".

Eu não discutí com isso. Jonh Dowling havia ganhado uma reputação por seus preços;

ninguém ia até ele a não ser que fosse uma emergência. A maioria das pessoas preferia

dirigir até Port Angeles, se o carro fosse capaz disso. Eu tive sorte nesse aspecto -eu me

preocupei quando Charlie me deu minha caminhonete ansiã que eu não tivesse como

pagar pra mantê-la rodando. Mas eu nunca tive um problema sequer, a não ser o barulho

do motor e o limite de cinqüenta e cinco por hora.

Jacob Black a manteve em ótima forma quando ela pertenceu a seu pai, Billy...

A inspiração bateu como um trovão - o que não deixava de ser razoável, levando em

consideração a tempestade. "Quer saber? Está tudo bem. Eu conheço alguém que

constrói carros".

"Oh. Isso é bom". Ele disse aliviado.

Ele acenou enquanto ia embora, ainda sorrindo. Garoto amigável.

Eu dirigí rápido, e agora com um propósito, na pressa de chegar em casa antes que

Charlie tivesse a chance de aparecer, mesmo num evento altamente improvável de que

ele saísse mais cedo. Eu corrí em casa até o telefone, as chaves ainda na mão.

"Chefe Swan, por favor", eu disse quando o encarregado atendeu. "Aqui é Bella".

"Oh, oi, Bella", o encarregado Steve disse amavelmente. "Eu vou chamá-lo".

Eu esperei.

"Qual é o problema, Bella?", Charlie quis saber assim que atendeu o telefone.

"Eu não posso ligar sem que haja uma emergência?"

Ele ficou quieto por um minuto. "Você nunca fez isso antes. Há alguma emergência?"

"Não. Eu só queria saber a direção da casa dos Black - eu não tenho certeza se lembro o

caminho. Eu quero visitar Jacob. Já fazem meses que eu não o vejo".

Quando Charlie falou de novo, sua voz estava muito mais feliz. "Essa é uma ótima

idéia, Bells. Você tem uma caneta?"

As direções que ele me deu eram bem simples. Eu o assegurei que estaria de volta para

o jantar, apesar de ele me dizer pra que eu não me apressasse. Ele queria se juntar

comigo em La Push, e eu não ia cair nessa.

Então foi com uma prazo que eu corrí rapido demais pelas ruas escurecídas pela

tempestade. Eu esperava encontra Jacob sozinho. Billy provavelmente ia me dedurar se

ele soubesse o que eu estava planejando.

Enquanto eu dirigia, eu me preocupei um pouco com a reação de Billy ao me ver. Ele

ficaria contente

 

demais

. Na cabeça de Billy, sem dúvida, isso tinha funcionado muito

melhor do que ele teria ousado esperar. Seu prazer e alívio só serviriam pra me lembrar

de uma das coisas que eu não suportaria ser lembrada.

Hoje de novo não

 

, eu implorei silenciosamente. Eu já estava desgastada.

A casa dos Black era vagamente familiar, uma pequena casa de madeira com janelas

apertadas, a pintura fraca desgastada a deixava parecida com um celeiro. A cabeça de

Jacob apareceu na janela antes mesmo que eu pudesse sair da caminhonete. Sem dúvida

o barulho familiar do motor o havia avisado da minha chegada. Jacob ficou muito

agradecido por Charlie ter comprado a caminhonete de Billy, evitando que Jacob tivesse

que dirigí-la quando tivesse idade pra isso.

Eu gostava muito da minha caminhonete, mas Jacob parecia considerar os limites de

velocidade um empencílho.

Ele me encontrou a meio caminho da casa.

"Bella!", seu sorriso grande e excitado cresceu no seu rosto, seus dentes brilhantes

formavam um vívido contraste com a cor ruiva escura da sua pele. Eu nunca tinha visto

o cabelo dele fora do rabo de cavalo antes. Parecia que uma cortina de cetim estava

cobrindo os dois lados do rosto largo dele.

Jacob havia alcançado um pouco do seu potencial nesses últimos oito meses. Ele já

havia passado daquela fase em que os músculos suaves da infância ficam sólidos,

naquela estrutura magra dos adolescentes; seus tendões e veias haviam ficado

proeminentes embaixo da pele dos seus braços e mãos. O rosto dele ainda era doce

como eu me lembrava, apesar dele ter endurecido também- as maçãs do rosto estavam

mais altas, sua mandíbula ficou quadrada, todos os traços de infância desapareceram.

"Oi, Jacob!", eu sentí uma urgência de entusiasmo que não era famíliar por causa do

sorriso dele. Eu me dei conta de que estava feliz por vê-lo. Isso me surpreendeu.

Eu sorrí de volta, e alguma coisa voltou pro lugar silenciosamente, como duas peças de

quebra-cabeça que se correspondiam. Eu esquecí do quanto gostava de Jacob.

Ele parou a alguns metros de mim, e eu encarei ele surpresa, inclinando minha cabeça

pra trás apesar da chuva estar molhando meu rosto.

"Você cresceu de novo!", eu acusei assombrada.

Ele sorriu, o sorriso cresceu impossívelmente. "Um e oitenta e sete", ele anunciou

satisfeito. A voz dele estava mais profunda, mas ainda tinha o tom rouco que eu me

lembrava.

"Será que isso vai parar?" eu balancei minha cabaça sem acreditar.

"Você está enorme".

"Mas ainda sou um varapau". Ele fez uma careta. "Entra! Você está ficando toda

molhada".

Ele guiou o caminho, enrolando o cabelo nas mãos enquanto andava. Ele puxou um

elástico do bolso e o colocou no coque.

"Ei, pai" ele chamou enquanto se curvava pra passar pela porta da frente. "Olha que

veio parar aqui".

Billy estava na pequena sala quadrada, um livro nas mãos. Ele colocou o livro no colo e

se empurrou pra frente quando me viu.

"Bem, mas quem diria! É bom te ver, Bella".

Nós balançamos as mãos. A minha ficou perdida na mão grande dele.

"O que te trás aqui? Está tudo bem com Charlie?"

"Sim, absolutamente. Eu só queria ver Jacob- faz uma eternidade que eu não o via".

Os olhos de Jacob brilharam com as minhas palavras. O sorriso dele era tão grande que

parecia estar machucando as bochechas dele.

"Você pode ficar pro jantar?", Billy estava ansioso também.

"Não, eu tenho que alimentar Charlie, sabe".

"Eu ligo pra ele agora", Billy sugeriu. "Ele sempre é bem vindo".

Eu rí pra esconder meu desconforto. "Não é como se você nunca mais fosse me ver. Eu

prometo que voltarei em breve - tanto que você vai se cansar de mim". Afinal, se Jacob

fosse concertar as motos, alguém ia ter que me ensinar a guiá-las.

Billy gargalhou em resposta. "Ok, talvez da próxima vez".

"Então, Bella, o que você quer fazer?", Jacob perguntou.

"Qualquer coisa. O que era que você estava fazendo antes da minha interrupção?", eu

estava estranhamente confortável aqui. Era familiar, mas só distantemente. Aqui não

haviam lembranças dolorosas de um passado recente.

Jacob hesitou. "Eu ia começar a trabalhar no meu carro, mas nós podemos fazer outra

coisa..."

"Não, isso é perfeito!", eu interrompí. "Eu adoraria ver o seu carro".

"Ok", ele disse não convencido. "Está lá atrás, na garagem".

Melhor ainda

 

, eu pensei comigo mesma. Eu acenei pra Billy.

"A gente se vê mais tarde".

Um monte de árvores grossas e moitas escondiam a sua garagem. A garagem não era

mais do que dois abrigos pré-formados que foram colocados no seu interior com as

paredes viradas pra fora.

Embaixo desse abrigo, em cima de blocos, estava o que pareciam com um carro

completo. Eu reconhecí o símbolo na grade, pelo menos.

"Que tipo de Volkswagen é esse?", eu perguntei.

"É um velho Rabbit - 1986, um classico".

"Como está indo?"

"Quase terminado", ele disse alegremente. E então sua voz caiu num tom mais baixo.

"Meu pai cumpriu sua promessa na primavera passada".

"Ah", eu disse.

Ele pareceu entender minha relutância em falar sobre o assunto. Eu tentei não me

lembrar de Maio passado, no baile. Jacob foi comprado pelo dinheiro do pai e partes do

carro pra ir lá e me entregar uma mensagem. Billy queria que eu mantivesse uma

distância segura da pessoa mais importante da minha vida. Acabou que a preocupação

dele foi, no fim, desnecessária. Eu estava muito segura agora.

Mas eu ia ver o que podia fazer pra mudar isso.

"Jacob, o que você sabe sobre motos?", eu perguntei.

Ele levantou os ombros. "Um pouco. Meu amigo Embry tem uma moto suja. Nós

trabalhamos nela juntos ás vezes. Porque?"

"Bem...", eu torcí os lábios enquanto considerava. Eu não tinha certeza de que ele

conseguiria manter a boca fechada, mas eu não tinha muitas outras opções. "Eu

recentemente adquirí duas motos, e elas não estão em ótimas condições. Eu estava

imaginando se você podia fazê-las andar".

"Legal". Ele pareceu realmente feliz com o desafio.

O rosto dele brilhou. "Eu vou tentar".

Eu levantei um dedo num aviso. "O problema é", eu expliquei. "Charlie não aprova

motos. Honestamente, uma veia na testa dele provavelmente estouraria se ele soubesse

disso. Então você não pode contar pra Billy".

"Claro, claro". Jacob sorriu. "Eu entendo".

"Eu vou te pagar", eu continuei.

Isso o ofendeu. "Não. Eu quero ajudar. Você não pode me pagar".

"Bem... que tal um acordo então?" eu estava pensando nisso enquanto falava, mas me

pareceu razoável o suficiente. "Eu só preciso de uma moto - eu eu vou precisar de aulas

também. Então, que tal isso? Eu vou te dar a outra moto, e então você pode me ensinar".

"Legaaaaal". Ele fez a palavra parecer maior.

"Espere um segundo- você já está legalizado? Quando é o seu aniversário?"

"Você perdeu", ele zombou, estreitando os olhos com falso ressentimento. "Eu já tenho

dezesseis".

"Não que a sua idade tenha te impedido antes", eu murmurei. "Eu lamento pelo seu

aniversário".

"Não se preocupe com isso. Eu perdí o seu. Quantos você tem, quarenta?"

Eu inalei. "Quase".

"Nós vamos fazer uma festa pra acertar as coisas".

"Parece um encontro".

Os olhos dele brilharam com a palavra.

Eu precisava controlar o entusiasmo antes de passar a idéia errada- é só que já havia

muito tempo que eu não me sentia tão leve e animada. A raridade do sentimento o

deixava ainda mais difícil de controlar.

"Talvez quando as motos estiverem prontas - nossos presentes pra nós mesmo", eu

acrescentei.

"Fechado. Quando é que você vai trazê-las?"

Eu mordí meu lábio, envergonhada. "Elas estão na caminhonete agora", eu admití.

"Ótimo", ele pareceu ser sincero.

"Billy vai ver se as troxermos pra cá?"

Ele piscou pra mim. "Seremos rapidinhos".

Nós saímos pelo leste, nos escondendo entre as árvores quando estavamos na vista das

janelas, fingindo não estarmos fazendo nada, só na dúvida.

Jacob tirou as motos rapidamente do fundo da caminhonete, levando elas pra escondêlas

onde eu estava entre os arbustos. Pareceu fácil demais pra ele - eu me lembrava das

motos sendo muito, muito mais pesadas que isso.

"Elas não estão muito ruins", Jacob observou enquanto nós as empurrávamos nos

esconderijos entre as árvores. "Essa daqui na verdade até vai valer alguma coisa quando

estiver pronta - é uma velha Harley Sprint".

"Essa é sua então".

"Tem certeza?"

"Absoluta".

"Porém, elas vão gastar um pouco de dinheiro", ele disse, fazendo uma carranca

olhando pra o metal preto. "Nós vamos ter que juntar dinheiro para as peças antes".

"

 

Nós

nada", eu discordei. "Se você vai fazer isso de graça, eu pago pelas peças".

"Eu não sei..." ele murmurou.

"Eu tenho algum dinheiro guardado. Fundo pra faculdade, sabe".

Faculdade, bobagem

 

, eu pensei comigo mesma. Não era como se eu tivesse

economizado o suficiente pra ir pra algum lugar especial- e além do mais, eu não tinha

nenhuma vontade de deixar Forks, do mesmo jeito. Que diferença faria se eu mexesse

um pouco no dinheiro.

Jacob só balançou a cabeça. Tudo isso fazia sentido perfeitamente pra ele.

Enquanto nós nos esgueirávamos de volta para a garagem, eu contemplei minha sorte.

Só um garoto adolescente concordaria com isso: enganar nossos pais pra concertar

veículos perigosos usando o dinheiro que vinha da minha faculdade. Ele não perecia ver

nada de errado nisso.

Jacob era um presente dos deuses.

6. Amigos

As motos não precisaram ser arrastadas pra mais longe do que a garagem. A cadeira de

rodas de Billy não podia passar pela terra desigual que a separava da casa.

Jacob começou a separar a primeira moto - a vermelha, que era destinada a mim - em

pedaços imediatamente. Ele abriu o porta do passageiro do Rabbit pra que eu pudesse

me sentar no banco ao invés de me sentar no chão. Enquanto ele trabalhava, Jacob

conversava alegremente, precisando apenas do menor incentivo meu pra manter a

conversa rolando. Ele me falou dos seus progressos no segundo ano da escola, falando

das aulas e dos seus dois melhores amigos.

"Quil e Embry?", eu interrompi. "Esses são nomes incomuns".

Jacob gargalhou. "Quil é um apelido, e eu acho que Embry ganhou o nome por causa de

uma ópera. Contudo, eu não posso falar nada. Eles jogam sujo se você falar dos nomes

deles - eles começam a apelidar você".

"Bons amigos", eu erguí uma sobrancelha.

"Não, eles são. Só não mexa com os nomes deles".

Bem nessa hora um chamado ecoou na distância. "Jacob?", alguém gritou.

"É Billy?" eu perguntei.

"Não", Jacob abaixou a cabeça, e parecia que ele estava corando em baixo da pele

marrom. "Fale no diabo", ele murmurou. "Que ele aparece".

"Jake? Você tá aí?" A voz que gritava estava mais próxima agora.

"É!", Jacob gritou de volta, e suspirou.

Nós esperamos no silêncio até que dois garotos altos, de peles escuras, viraram na

esquina vindo pra garagem.

Um era mais esguio, e quase tão alto quanto Jacob. O cabelo preto dele ficava na altura

do queixo e era partido no meio, um lado enfiado atrás da orelha esquerda enquanto o

lado direito ficava livre.

O garoto mais baixo era mais forte. A camiseta branca ficava estirada no seu peito bem

estruturado, e ele parecia consciente desse fato. O cabelo dele era tão curto que era

quase careca.

Os garotos pararam na hora quando me viram. O garoto magro olhou rapidamente pra

frente e pra trás entre Jacob e eu, enquanto o garoto musculoso mantinha os olhos só em

mim, um breve sorriso aparecendo no rosto dele.

"Ei, rapazes", Jacob os cumprimentou sem vontade.

"Ei, Jake", o mais baixo falou sem tirar os olhos de mim. Eu tive que sorrir em resposta,

já que o sorriso dele era tão travesso. "Oi, gente".

"Quil, Embry - essa é minha amiga, Bella".

Quil e Embry, eu ainda não sabia qual era qual, trocaram um olhar significante.

"A filha de Charlie, certo?", o garoto musculoso me perguntou, levantando a mão.

"Isso mesmo", eu confirmei, balançando a mão com ele. O aperto dele era firme;

parecia que ele estava flexionando os bíceps.

"Eu sou Quil Ateara", ele anunciou largamente antes de soltar minha mão.

"Prazer em conhecê-lo, Quil".

"Oi, Bella. Eu sou Embry, Embry Call - porém, você provavelmente já adivinhou isso".

Embry deu um sorriso tímido e acenou com uma mão, que depois ele enfiou no bolso.

Eu balancei a cabeça. "Prazer em te conhecer também".

"Então o que vocês estão fazendo?" Quil perguntou, ainda olhando pra mim.

"Bella e eu vamos concertar essas motos", Jacob explicou impacientemente. Mas motos

pareciam ser uma palavra mágica. Os garotos foram examinar o projeto de Jacob,

enchendo ele com perguntas educadas. Muitas das palavras não eram familiares pra

mim, e eu entendi que precisaria ter um cromossomo Y pra realmente entender a

excitação.

Eles ainda estavam envolvidos na conversa sobre as peças e partes quando eu decidi que

estava na hora de ir pra casa antes que Charlie resolvesse aparecer por aqui. Com um

suspiro, eu escorreguei pra fora do Rabbit.

Jacob olhou pra cima, se lamentando. "Nós estamos te aborrecendo, não estamos?"

"Não", e não era mentira. Eu estava me divertindo - que estranho. "É só que eu tenho

que cozinhar o jantar pra Charlie".

"Oh... bem, eu vou terminar de montá-las hoje á noite e ver do que mais precisamos pra

começar a reconstruí-las. Quando é que você quer trabalhar nelas de novo?"

"Eu posso voltar amanhã?" Domingos eram a ruína da minha existência. Nunca havia

dever de casa suficiente pra me manter ocupada.

Quil cutucou o braço de Embry e eles trocaram sorrisos.

Jacob sorriu deliciado. "Isso seria ótimo!"

"Se você fizer uma lista, nós podemos ir comprar as partes", eu sugeri.

O rosto de Jacob caiu um pouco. "Eu ainda não tenho certeza se devo deixar você pagar

por tudo sozinha".

Eu balancei a cabeça. "Sem essa. Eu vou bancar essa festa. Você só tem que entrar com

o trabalho e com a habilidade".

Embry revirou os olhos pra Quil.

"Isso não parece certo", Jacob balançou a cabeça.

"Jake, se eu levasse elas a um mecânico, quanto ele me cobraria?", eu apontei.

Ele sorriu. "Ok, você tem um trato".

"Sem mencionar as aulas de direção", eu acrescentei.

O sorriso de cresceu quando Embry falou alguma coisa que eu não consegui entender. A

mão de Jacob voou pra bater na parte de trás da cabeça de Quil. "É isso, se mandem",

ele murmurou.

"Não, sério, eu tenho que ir", eu protestei indo pra porta. "A gente se vê amanhã,

Jacob".

Assim que eu estava fora de vista, eu ouvi Quil e Embry em coro. "Wooooo!"

O som de uma breve briga se seguiu, interceptadas por um "ouch" e um "Ei!".

"Se algum de vocês pisar um dedo na minha terra amanhã...", eu ouvi Jacob ameaçar. A

voz dele se perdeu quando eu entrei nas árvores.

Eu gargalhei baixinho. O som fez os meus olhos se esbugalharem de dúvida. Eu estava

sorrindo, sorrindo mesmo, e não havia ninguém olhando.

Eu me senti tão leve que quase ri de novo, só pra fazer a sensação se prolongar.

Eu cheguei em casa antes de Charlie. Quando ele chegou eu estava acabando de tirar o

frango frito da frigideira e colocando-o em uma pilha de papel-toalha.

"Oi, pai", eu sorri pra ele.

O choque flutuou pelo rosto dele antes que ele pudesse recompor sua expressão. "Oi,

querida", ele disse com a voz incerta. "Você se divertiu com Jacob?"

Eu comecei a levar a comida para a mesa. "Sim , me diverti".

"Bem, isso é bom". Ele ainda estava cuidadoso. "O que vocês dois fizeram?"

Agora era a minha vez de ser cuidadosa. "Eu fiquei na garagem dele e olhei ele

trabalhar. Você sabia que ele está reconstruindo um Volkswagen?"

"É, eu acho que Billy mencionou isso".

O interrogatório teve que parar quando Charlie começou a mastigar, mas ele continuou

estudando meu rosto enquanto comia.

Depois do jantas, eu fiquei vadiando, limpando a cozinha duas vezes, e então fiz meu

dever de casa na sala da frente enquanto Charlie assistia um jogo de hóquei. Eu esperei

o máximo que pude, mas finalmente Charlie mencionou que estava tarde. Quando eu

não respondi, ele se levantou, se espreguiçou, e depois foi embora, desligando a luz

atrás dele. Relutantemente, eu o segui.

Enquanto eu subia as escadas, eu senti o último senso anormal de bem estar da tarde

saindo do meu sistema, sendo substituído pelo medo bobo do pensamento do que eu

teria que viver a partir de agora.

Eu não estava mais entorpecida. Hoje seria, sem dúvida, tão horrível quanto na noite

passada. Eu deitei na cama e me curvei numa bola me preparando para a dor. Eu apertei

meus olhos e... a próxima coisa que eu sabia, já era de manhã.

Eu olhei para a pálida luz prateada entrando pela minha janela, atordoada.

Pela primeira vez em mais de quatro meses, eu tinha dormido sem sonhar. Sonhar ou

gritar. Eu não sabia dizer que emoção era mais forte - o alívio ou o choque.

Eu fiquei parada na minha cama por alguns minutos, esperando que as coisas voltassem.

Porque alguma coisa devia estar vindo. Se não a dor, então a entorpecência. Eu esperei,

mas nada aconteceu. Eu me sentia mais descansada do que já havia estado em muito

tempo.

Eu não acreditava que isso fosse durar. Era só uma borda escorregadia, precária, na qual

eu me equilibrava. Só olhar pra o meu quarto com esse olhos repentinamente claros -

percebendo o quanto ele parecia estranho, arrumado demais, como se eu nem vivesse

aqui - já era perigoso.

Eu empurrei esses pensamentos da minha mente, e me concentrei, enquanto me vestia,

no fato de que ia ver Jacob de novo hoje. Esse pensamento fez eu me sentir quase...

esperançosa. Talvez fosse como ontem. Talvez eu não tivesse que me lembrar de

parecer interessada e de balançar a cabeça ou sorrir nos intervalos apropriados, do jeito

que eu fazia com as outras pessoas. Talvez... mas eu não podia confiar que isso fosse

durar, também. Eu não confiaria que seria o mesmo - tão fácil - quanto ontem. Eu não ia

me dispor á decepção desse jeito.

No café da manhã, Charlie estava sendo cuidadoso também. Ele tentou esconder sua

curiosidade, mantendo seus olhos nos ovos até quando ele achava que eu não estava

olhando.

"O que você vai fazer hoje?" ele perguntou, olhando para um fio solto no punho da

camisa dele, como se ele não estivesse prestando atenção na minha resposta.

"Eu vou ficar com Jacob de novo".

Ele balançou a cabeça sem olhar pra cima. "Oh", ele disse.

"Você se importa?", eu fingi me importar. "Eu posso ficar..."

Ele olhou pra cima rapidamente, uma pontada de pânico nos olhos dele.

"Não, não! Vá em frente. Harry estava vindo pra assistir o jogo comigo mesmo".

"Talvez Harry pudesse dar a Billy uma carona pra cá", eu sugeri. Quanto menos

testemunhas, melhor.

"Essa é uma ótima idéia".

Eu não tinha certeza se o jogo era só uma desculpa pra expulsar, mas agora ele parecia

ansioso o suficiente.

Ele foi até o telefone enquanto eu abotoava o meu casaco de chuva. Eu me senti

intimidada com o talão de cheques enfiado no bolso da jaqueta. Era uma coisa que eu

nunca usava.

Do lado de fora, a chuva corria como se fosse água jogada de um balde. Eu tive que

dirigir mais devagar do que queria; eu mal podia ver o formato de um carro na frente da

caminhonete. Mas eu finalmente consegui chegar nas terras lamacentas da casa de

Jacob.

Antes que eu desligasse o motor, a porta da frete se abriu e Jacob saiu correndo com um

enorme guarda chuva preto.

Ele o segurou em cima da minha porta enquanto eu a abria.

"Charlie ligou - ele disse que você já estava vindo", Jacob explicou com um sorriso.

Sem esforço, sem uma ordem consciente para os músculos dos meus lábios, o meu

sorriso de resposta apareceu no meu rosto. Um estranho sentimento de calor borbulhou

na minha garganta, apesar da chuva gelada que pingava nas minhas bochechas.

"Oi, Jacob".

"Boa idéia de convidar Billy", ele levantou a mão para nos cumprimentarmos.

Eu tive que me contorcer tão alto pra bater na mão dele que ele sorriu.

Harry apareceu pra pegar Billy alguns minutos depois. Jacob me levou num breve tour

até seu pequeno quarto enquanto esperávamos pra não sermos supervisados.

"Então pra onde vamos, Sr. Bom mecânico?" eu perguntei assim que ele fechou a porta

atrás de Billy.

Jacob puxou um papel dobrado que estava no bolso dele e o alisou. "Nós vamos

começar num ferro velho primeiro, pra ver se temos sorte. Isso pode ficar uma pouco

caro", ele me avisou. "Aquelas motos vão precisar de muita ajuda antes de poderem

andar de novo". Meu rosto não pareceu preocupado o suficiente, então ele continuou.

"Eu estou falando talvez de mais de cem dólares aqui".

Eu puxei meu talão de cheques, me abanei com ele, e revirei meus olhos pelas

preocupações dele. "Nós estamos cobertos".

Aquele foi um dia estranho. Eu me diverti. Mesmo no ferro velho, com a lama da chuva

me prendendo até os calcanhares. Eu me perguntei se isso era só uma espécie de fase

pós-entorpecência, mas eu não achava que essa era uma explicação boa o suficiente.

Eu estava começando a achar que era Jacob. Não era só porque ele sempre parecia tão

feliz em me ver, ou que ele não ficava me vigiando pelo canto dos olhos, esperando que

eu fizesse alguma coisa que me provasse louca ou deprimida. Não era absolutamente

nada que me envolvia.

Era o próprio Jacob. Jacob era simplesmente uma pessoa perpetuamente feliz, e ele

carregava aquela felicidade dele como uma aura, dividindo ela com quem quer que

estivesse com ele.

Como o sol que abraçava a terra, quando quer que uma pessoa estava perto de sua órbita

gravitacional, Jacob os acalentava.

Era natural, uma parte de quem ele era. Não era de estranhar que eu estava tão ansiosa

pra vê-lo.

Mesmo quando ele comentou sobre o buraco vazio no meu painél, isso não pareceu me

enviar a onda de pânico que devia.

"O som quebrou?", ele perguntou.

"É", eu menti.

Ele apalpou ao redor da cavidade. "Quem foi que o arrancou? Aqui tem um monte de

estragos...".

"Fui eu", eu admiti.

Ele riu. "Talvez você não devesse mexer muito nas motos".

"Sem problema".

De acordo com Jacob, nós tivemos sorte no ferro velho.

Ele ficou muito excitado com algumas peças pretas com graxa feitas de metal retorcido

que ele encontrou; eu só estava impressionada que ele sabia pra que elas serviam.

De lá, nós fomos para a Checker Auto Partes em Hoquiam. Na minha caminhonete,

levamos mais de duas horas na estrada da sul, mas o tempo passava facilmente com

Jacob. Ele tagarelava sobre seus amigos e sua escola, e eu me peguei fazendo perguntas,

sem precisar fingir, realmente curiosa pra ouvir o que ele tinha a dizer.

"Eu estou falando sozinho", ele reclamou depois de contar uma longa história sobre os

problemas que Quil teve chamando uma garota mais velha pra sair. "Porque não

mudamos isso? O que tá havendo em Forks? Tem que ser mais excitante do que em La

Push".

"Errado", eu suspirei. "Não tem nada de verdade. Os seus amigos são muito mais

interessantes que os meus. Eu gosto dos seus amigos. Quil é engraçado".

Ele fez uma carranca. "Eu acho que ele gosta de você também"

Eu sorri. "Ele é um pouco novo demais pra mim".

A carranca de Jacob se aprofundou mais ainda. "Ele não é assim tão mais novo do que

você. É só um ano e alguns meses."

Eu tinha uma sensação de que não estávamos mais falando de Quil. Eu mantive minha

voz leve, zombeteira. "Claro, mas considerando a diferença de maturidade entre rapazes

e garotas, n~so temos que contar como a idade dos cachorros? O que isso me torna, uns

doze anos mais velha?"

Ele sorriu, revirando os olhos. ""Ok, mas se vamos começar a ser seletivos assim, você

tem que contar o seu tamanho também. Você é tão pequena que teria que descontar uns

dez anos do seu total".

"Um metro e sessenta é perfeitamente normal", eu funguei. "Não é culpa minha que

você é anormal".

Nós discutimos assim até chegarmos em Hoquiam, ainda falando sobre a fórmula

perfeita pra determinar a idade - eu perdí mais dois anos porque não sabia trocar um

pneu, mas ganhei um de volta porque eu era a encarregada de organizar os livros da

minha casa - até que chegamos em Checker, e Jacob teve que se concentrar de novo.

Nós encontramos tudo o que faltava na lista dele, e Jacob saiu muito confiante se que

havíamos feito um grande progresso na nossa aventura.

Quando nós chegamos em La Push, eu estava com vinte e dois anos e ele estava com

trinta - ele definitivamente estava colocando a balança a favor das habilidades dele.

Eu não havia esquecido a razão para o que eu estava fazendo. E mesmo assim, eu estava

me divertindo mais do que havia julgado possível, não houve diminuição no meu real

desejo.

Eu ainda queria trair o acordo. Era sem sentido, e eu não me importava.

Eu queria ser tão pouco cuidadosa quanto fosse possível ser em Forks. Eu não seria a

única a manter um contrato vazio. Passar o tempo com Jacob me ajudou na recuperação

muito mais do que imaginava.

Billy ainda não havia voltado, então não tivemos de ser cuidadosos quando

descarregamos nossas compras do dia. Assim que nós depositamos tudo no chão de

plástico perto da caixa de ferramentas de Jacob, ele foi direto ao trabalho, ainda falando

e sorrindo enquanto seus dedos passavam sabiamente entre as peças de metal na frente

dele.

A habilidade de Jacob com as mãos era impressionante. Elas pareciam grandes demais

para tarefas delicadas nas quais trabalhavam com facilidade e precisão. Enquanto

trabalhava, ele quase parecia gracioso. Diferente de quando ele estava de pé; alí, o peso

e as mãos dele o faziam tão perigoso quanto eu era.

Quil e Embry não apareceram, então talvez a ameaça de ontem tenha sido levada a

sério.

O dia passou rápido demais. Ficou escuro do lado de fora da garagem mais rápido do

que eu esperava, e então eu ouvi Billy chamando por nós.

Eu me levantei pra ajudar Jacob a guardar as coisas dele, hesitando porque eu não sabia

o que devia tocar.

"Deixa aí", ele disse. "Eu trabalhar nisso mais tarde".

"Não esqueça os seus trabalhos da escola ou alguma coisa assim", eu disse, me sentindo

um pouco culpada. Eu não queria que ele tivesse problemas. Esse plano era só pra mim.

"Bella?"

Nossas duas cabeças se levantaram quando a voz familiar de Charlie soou por entre as

árvores, parecendo mais próxima do que a casa.

"Droga", eu murmurei. "Já vou!", eu gritei na direção da casa.

"Vamos lá", Jacob sorriu, gostando de estar entre a cruz e a espada. Ele desligou a luz, e

por um momento eu fiquei cega. Jacob agarrou minha mão e me guiou pra fora da

garagem e entre as árvores, seus pés encontrando o caminho familiar na trilha

facilmente.

A mão dele era dura, e muito quente.

Apesar da trilha, nós dois estávamos tropeçando nos nossos pés na escuridão. Então nós

dois estávamos rindo quando começamos a ver a casa. As risadas não eram muito

profundas; eram leves e superficiais, mas ainda era legal. Eu não estava acostumada a

sorrir, e isso pareceu certo e também muito errado ao mesmo tempo.

Charlie estava de pé na varanda de trás, e Billy estava sentado na entrada da porta atrás

deles.

"Oi, pai", nós dois dissemos ao mesmo tempo, e isso fez nós dois começarmos a rir de

novo.

Os olhos de Charlie se arregalaram e voaram pra ver a mão de Jacob segurando a

minha.

"Billy nos convidou pra o jantar", ele disse com uma voz de quem estava com a mente

ausente.

"Minha receita super secreta de spaghetti. Passada por gerações". Billy disse com uma

voz grave.

Jacob bufou. "Eu não acho que Ragu esteve por aqui por tanto tempo".

A casa estava lotada. Harry Clearwater estava lá também, com sua família - sua esposa,

Sue, da qual eu me lembrava vagamente da minha infância nos verões em Forks, e os

dois filhos dele. Leah estava no último ano como eu, mas era um ano mais velha. Ela

era linda de um jeito exótico - pele perfeita cor de cobre, cabelo preto brilhante, cílios

que pareciam plumas - e preocupada.

Ela estava no telefone de Billy quando nós entramos, e ela nunca o soltou. Seth tinha

quatorze; ele captava cada palavra de Jacob olhando pra ele como se fosse um ídolo.

Nós estávamos num número grande demais pra mesa da cozinha, então Charlie e Harry

trouxeram cadeiras para o quintal, e nós comemos spaghetti em pratos que colocamos

no colo, com a luz fraca que vinha da porta aberta da casa de Billy.

Os homens falavam sobre o jogo, e Harry e Charlie faziam planos pra ir pescar. Sue

zombou com o marido sobre o colesterol dele e tentou, sem sucesso, fazê-lo se

envergonhar e comer folhas verdes. Jacob falou em grande maioria comigo e Seth, que

nos interrompia ansiosamente quando Jacob demonstrava algum sinal de que estava

prestes a esquecê-lo. Charlie me espionava, tentando ser sutil, com olhos agradados,

mas cautelosos.

ficava alto e as vezes conguso quando todo mundo tentava falar ao mesmo tempo com

todo mundo, e as risadas de uma piada interrompiam outra. Eu não tinha que falar com

frequência, mas eu sorrí muito, e só porque eu queria.

Eu não queria ir embora.

Porém, isso era Washington, e a inevitável chuva acabou encerrando nossa festa; a sala

de estar de Billy era pequena demais pra ser uma opção para a nossa reunião.

Harry tinha trazido Charlie, então nós dois voltamos pra casa juntos na minha

caminhonete. Ele me perguntou sobre o meu dia, e eu contei a verdade em grande parte

- que eu havia ido comprar partes com Jacob e que havia ficado olhando ele trabalhar na

sua garagem.

"Você acha que vai visitá-los em breve?", ele perguntou, tentando parecer casual.

"Amanhã depois da escola", eu admití. "Eu vou levar o dever de casa, não se preocupe".

"Faça isso", ele ordenou, tentando esconder sua satisfação.

Eu estava nervosa quando nós chegamos em casa. Eu não queria ir lá pra cima. A

presença cálida de Jacob estava desaparecendo, e em sua ausência, a ansiedade ficava

mais forte.

Eu não tinha certeza de que conseguiria ter duas noites de sono tranquilo seguidas.

Pra atrasar a hora de dormir, eu chequei meus E-mail; havia uma nova mensagem de

Renée.

Ela escrevia sobre o dia dela, um novo clube dos livros que abusava nas horas de

meditação e ela largou, a sua semana substituindo uma professora da segunda série e

sentindo falta do jardim de infância.

Ela escreveu que Phil estava gostando do seu novo trabalho de técnico, e que eles

estavam planejando uma segunda lua de mel pra o Disney World.

E eu percebí que a coisa toda parecia mais um diário do que uma carta pra outra pessoa.

O remorso passou por mim, me deixando uma pontada de desconforto. Que filha que eu

era.

Eu escreví de volta pra ela rapidamente, comentando cada parte da carta dela, e

volunatariando informações sobre mim mesma- o spaghetti na casa de Billy e como eu

me sentia observando Jacob construir coisas úteis só usando pequenos pedaços de metal

- impressionada e invejosa. Eu não fiz nenhuma referencia que mudassse essa carta das

outras que eu havia mandado antes nos últimos meses.

Eu mal podia me lembrar o que havia escrito pra ela, mesmo nas semanas mais recentes

como a da semana passada, mas eu tinha certeza de que elas não eram muito

compreensívas.

Quanto mais eu pensava nisso, mais culpada eu me sentia; eu realmente devo tê-la

deixado muito preocupada.

Eu fiquei acordada até muito mais tarde depois disso, terminando mais deveres de casa

do que eram estritamente necessários. Mas nem com a falta de sono ou as horas que

passava com Jacob - sendo quase feliz num jeito superfícial - eu conseguia sonhar em

dormir bem duas noites seguidas.

Eu acordei tremendo, meus gritos abafados pelo travesseiro.

Enquanto a fraca luz se filtrava pela fraca névoa do lada de fora da minha janela, eu

ainda fiquei deitada na minha cama tentando esquecer o sonho. Houve uma pequena

diferença na noite passada, e eu me concentrei nisso.

Na noite passada eu não estava sozinha na floresta. Sam Uley - o homem que me tirou

da floresta naquela noite na qual eu não conseguia pensar quando estava consciente -

estava lá. Foi uma alteração estranha, inesperada.

Os olhos escuros do homem foram estranhamente não amigáveis, cheios com algum

segredo que ele não parecia a fim de compartilhar.

Eu observei ele com a frequencia que a minha busca frenética me permitiu olhar; me

deixou desconfortável, mesmo com o pânico de praxe, ter ele lá.

Talvez fosse por isso que, quando eu não olhava diretamente pra ele, a figura dele

parecia tremer e mudar na minha visão periférica. Mesmo assim, ele não fazia nada a

não ser ficar lá e observar. Diferente da vez em que nos encontramos de verdade, dessa

vez ele não me ofereceu ajuda.

Charlie ficou me incarando durante o café da manhã, eu tentei ignorá-lo. Eu acho que eu

merecia isso. Eu não podia esperar que ele não se preocupasse. Provavelmente se

passaram semanas até que ele parasse de esperar que o zumbí voltasse, e eu

simplesmente ia ter que tentar não me aborrecer. Dois dias não seriam o suficiente pra

me declarar curada.

Na escola foi o oposto. Agora que eu estava prestando atenção, era claro que ninguém

estava prestando atenção em mim.

Eu me lembrei do primeiro dia em que cheguei á Forks High School - como eu esperei

desesperadamente que eu pudesse ficar cinza, me esconder entre o concreto da calçada,

como um camaleão tamanho familia. Parecia que eu estava conseguindo o que eu

queria, um ano depois.

Era como se eu nem estivesse aqui. Mesmo os olhos dos meus professores passavam

pela minha cadeira como se ela estivesse vazia.

Eu escutei a manhã inteira, ouvindo novamente as vozes das pessoas ao meu redor. Eu

tentei entender o que estava acontecendo, mas as conversas eram tão bagunçadas que eu

desistí.

Jéssica não olhou pra cima quando eu me sentei ao lado dela na aula de Cálculo.

"Ei, Jess", eu disse num tom educado. "Como foi o resto do seu fim de semana?"

Ela olhou pra mim com olhos suspeitos. Será possivel que ela ainda estivesse com

raiva? Ou ela estva só impaciente por ter que lidar com uma pessoa louca?

"Super", ela disse, se virando de volta pro seu livro.

"Isso é bom", eu murmurei.

A figura de expressão

 

ombro frio

parecia ter um sentido literal. Eu podia sentir o ar

quente vindo das tubulações, mas eu ainda estava com muito frio. Eu tirei o meu casaco

de cima da cadeira e vestí de novo.

Minha quarta aula acabou atrasada, e a mesa do almoço onde eu sempre me sentava

estava cheia na hora que eu cheguei.

Mike estava lá, Jéssica e Angela, Conner, Tyler, Eric e Lauren.

Katie Marshall, a ruiva novata que morava na esquina da minha casa, estava sentada

com Eric, e Austin Marks - o irmão mais velho do garoto das motos - estava do lado

dela. Eu me perguntei por quanto tempo eles estariam sentando lá, incapaz de me

lembrar se essa era a primeira vez ou uma espécie de hábito regular.

Eu estava começando a ficar brava comigo mesma. Eu devo ter sido empacotada com os

amendoins para exportação no semestre passado.

Ninguém olhou pra cima quando eu me sentei ao lado de Mike, mesmo a cadeira tendo

rangido de forma estranha no chão quando eu a puxei.

Eu tentei me informar na conversa.

Mike e Conner estavam falando de esportes, então eu desistí deles na hora.

"Onde está Ben hoje?", Lauren estava perguntando a Angela. Eu comecei a ouvir,

interessada. Eu me perguntei se isso significava que Angela e Ben ainda estavam juntos.

Eu mal reconhecí Lauren. Ela cortou todo o seu cabelo louro cor de milho - agora ela

usava o cabelo tão curto que o seu cabelo estava raspado atrás como o de um garoto.

Que coisa estranha pra ela fazer.

Eu queria poder saber a razão por trás disso. Será que as pessoas com as quais ela era

desagradável pegaram ela atrás do ginásio e a escalpelaram? Eu decidí que não era justo

julgá-la agora pela minha opinião antiga. Pelo que eu sabia, ela podia ter se tornado uma

pessoa legal.

"Ben está doente" Angela disse com a sua voz baixa, quieta. "Espera-se que seja só uma

coisa que vinte e quatro horas. Ele estava muito mal ontem á noite".

Angela tinha mudado o cabelo também. Ela o estirou em camadas.

"O que vocês dois fizeram esse fim de semana?" Jéssica perguntou,mas não parecia que

ela se importava com a resposta. Eu apostava que aquilo era só uma brecha pra que ela

pudesse contar as suas próprias histórias. Eu me perguntei se ela ia contar sobre nós em

Port Angeles comigo sentada a duas cadeiras de distância. Eu era tão invisível, que as

pessoas falavam sobre mim mesmo eu estando aqui?

"Na verdade, nós íamos fazer um piquenique no Sábado, mas... mudamos de idéia",

Angela disse. Havia um tom estranho na voz dela que me chamou a atençao.

Mas não muito a de Jess. "Que pena", ela disse, prestes a começar a sua história. Mas eu

não era a única prestando atenção.

"O que aconteceu?", Lauren perguntou curiosamente.

"Bem", Angela disse, parecendo mais hesitante que de costume, apesar dela ser sempre

reservada. "Nós fomos dirigindo pro norte - há um lugar legal lá só a um quilômetro da

trilha. Mas quando estávamos a meio caminho de lá... nós vimos uma coisa."

"Viram alguma coisa? O que?" As sobrancelhas pálidas de Lauren estavam grudadas.

Até Jess parecia estar prestando atenção agora.

"Eu não sei", Angela disse. "Nós

 

achamos

que era um urso.

De qualquer jeito, ele era preto, mas pareceu... grande demais".

Lauren bufou. "Oh, não você também!" Os olhos dela ficaram zombeteiros, e eu decidí

que não precisava dar a ela o benefício da dúvida. Obviamente a personalidade dela não

mudou tanto quanto o seu cabelo. "Tyler tentou me vender essa na semana passada".

"Você não vai ver ursos assim tão perto da reserva". Jéssica disse, apoiando Lauren.

"Sério", Angela disse com uma voz baixa, olhando para a mesa. "Nós vimos mesmo".

Lauren viu. Mike ainda estava conversando com Conner, sem prestar atenção ás

garotas.

"Não, ela está certa", eu disse impaciente. "Nós vimos um mochileiro nesse Sábado que

também viu um urso, Angela. Ele disse que era enorme e preto e que foi fora da cidade,

não disse, Mike?"

Houve um momento de silêncio. Todos os pares de olhos da mesa olharam pra mim

chocados. A garota nova, Katie, ficou com a boca aberta como se ela tivesse acabado de

presenciar uma explosão. Ninguém se mexeu.

"Mike?", eu murmurei, mortificada. "Lembra do cara com a história do urso?"

"C- claro", Mike gaguejou depois de um segundo. Eu não sabia porque ele estava

olhando pra mim de um jeito tão estranho. Eu falava com ele no trabalho, não falava?

Falava? Eu achava que sim...

Mike se recuperou. "É, houve um cara que disse que viu um enorme urso preto bem

perto da trilha - maior que um pardo". Ele confirmou.

"Hmph" Lauren se virou pra Jéssica, com os ombros rígidos, e mudou de assunto.

"Você teve resposta da USC?", ela perguntou.

Todos os outros desviaram os olhos também, exceto Mike e Angela. Angela sorriu pra

mim tentadoramente, e eu me apressei pra devolver o sorriso.

"Então, o que você fez nesse fim de semana, Bella?" Mike perguntou, curioso, mas

estranhamente cauteloso.

Todo mundo com excessão de Luren olhou de volta pra mim, esperando minha resposta.

"Sexta á noite eu e Jéssica fomos ao cinema em Port Angeles. E eu passei o sábado á

tarde e grande parte do domingo em La Push".

Os olhos piscavam voando de Jéssica pra mim. Jess pareceu irritada.

Eu me perguntei se ela não queria que as pessoas soubessem que ela tinha saído

comigo, ou se foi só porque ela mesma queria contar a história.

"Que filme você assistiram?" Mike perguntou, começando a sorrir.

"

 

Dead End

- aquele que tem os zumbís." Eu sorrí encorajando.

Talvez um pouco dos estrago que eu causei durante os meus meses como zumbí

estivesse reparado.

"Eu ouví que era assustador. Você achou?" Mike estava ansioso pra continuar a

conversa.

"Bella teve que sair no final, de tão assutada." Jéssica interferiu com um sorriso falso.

Eu balancei a cabeça, tentando parecer envergonhada. "Era muito assustador".

Mike não parou de me fazer perguntas até que o almoço tinha acabado. Gradualmente,

os outros na mesa foram capazes de recomeçar suas prórpias conversas de novo, apesar

de que eles ainda olhavam muito pra mim.

Angela falou em maioria com Mike e comigo, e, quando eu me levantei pra jogar fora a

minha bandeja, ela me seguiu.

"Obrigada", ela disse num voz baixinha quando estávamos longe da mesa.

"Pelo que?"

"Por falar, por me defender".

"Sem problema".

Ela olhou pra mim preocupada, mas não ofensiva, com aquele olhar de talvez ela esteja

perdida. "Você está bem?"

Foi por isso que eu escolhí Jéssica ao inves de Angela - apesar de gostar mais de Angela

- para aquela noite de garotas. Angela era perceptiva demais.

"Não completamente", eu admití. "Mas eu estou um pouco melhor".

"Eu fico feliz", ela disse. "Eu sentí sua falta".

Lauren e Jéssica se aproximaram de nós nessa hora, e eu ouví Lauren sussurrar alto.

"Oh,

 

alegria

Bella está de volta".

Angela rolou os olhos pra elas, e sorriu pra mim me encorajando.

Eu suspirei. Era como se eu estivesse começando tudo de novo.

"Que data é hoje?", eu imaginei de repente.

"É dezenove de Janeiro".

"Hmm".

"O que é?" Angela perguntou.

"Faz um ano que eu cheguei aqui pela primeira vez", eu meditei.

"Nada mudou muito", Angela murmurou, olhando pra Lauren e Jéssica.

"Eu sei, eu concordo pois estava pensando exatamente na mesma coisa".

7. Repetição

Eu não tinha certeza do que diabos eu estava fazendo aqui. Será que eu estava tentando

me jogar de volta naquele torpor de zumbí? Eu virei masoquista - desenvolví um gosto

pela tortura? Eu divia ter ido direto pra La Push onde eu me sentia muito, muito mais

saudável perto de Jacob.

 

Essa

não era uma coisa saudável a fazer.

Mas eu continuei a dirigir lentamente pela rua coberta de vegetação, virando entre as

árvores que se contorciam por cima de mim como um túnel verde, vivo. Minhas mãos

estavam tremendo, então eu apertei elas no volante.

Eu sabia que parte pra eu estar fazendo isso era o pesadelo, agora que eu estava

realmente acordada, o nada do sonho roía meus nervos, como um cão roendo um osso.

Havia

 

uma coisa pra procurar. Inacessível e impossível, sem se importar e distraído...

mas

 

ele

estava lá, em algum lugar. Eu tinha que acreditar nisso.

A outra parte era a estranha sensação de repetição que eu sentí no meu dia na escola

hoje, a conhecidência da data. O sentimento de que eu estava recomeçando - talvez do

jeito como o meu dia primeiro teria sido se eu realmente fosse a pessoa mais incomum

na cafeteria naquela tarde.

As palavras corriam na minha cabeça, sem som, como se eu estivesse lendo elas ao

invés de ouví-las.

Será como se eu nunca tivesse existido

 

.

Eu estava mentindo pra mim mesma quando dividí o meu motivo pra vir aqui em duas

partes. Eu não queria admitir a minha motivação mais forte. Porque eu estava

mentalmente deteriorada.

A verdade é que eu queria ouvir a voz dele de novo, como ouví na minha estranha

ilusão na Sexta. Por um breve momento, quando a voz dele veio de outra parte

consciente da minha memória, quando a voz dele era perfeita e suave como o mel e não

pálida como as outras memórias que eu costumava reproduzir, eu fui capaz de lembrar

sem sentir dor.

Não durou muito; a dor me encontrou, assim como eu tinha certeza que faria com esse

meu passeio bobo. Mas aqueles momentos preciosos quando eu pude ouvir a voz dele

de novo eram um chamariz irresistível.

Eu tinha que encontrar um meio de repetir a experiêcia... ou talvez a melhor palavra

fosse

 

episódio

.

Eu estava esperando que deja vu fosse a chave. Então eu estava indo para a casa dele,

um lugar onde eu não tinha ido desde a festa catastrófica do meu aniversário, há tantos

meses atrás.

A grossa quase floresta crescia e passava pelas minhas janelas. A viagem continuou e

continuou. Eu comecei a ir mais rápido, ficando nervosa. Por quanto tempo eu estive

dirigindo? Eu já não devia ter chegado na casa? A rua estava tão coberta de vegetação

que quase não me parecia familiar.

E se eu não conseguisse achar? Eu tremí. E se não houvessem provas tangíveis?

Então, lá estava a entrada entre as árvores que eu estava procurando, só que ela já não se

pronunciava tanto como antes.

A flora aqui não demorava muito pra reclamar qualquer terreno que estivesse sem

cuidados. As altas samambaias haviam infestado a clareira que cercava a casa, se

aglomerando nas árvores, mesmo na grande varanda.

Era como se a grama estivesse fluíndo - na altura da cintura - com ondas verdas,

flutuantes.

E

 

havia

uma casa lá, mas ela não era a mesma.

Apesar de nada ter mudado do lado de fora, o vazio gritava pelas janelas brancas. Era

arrepiante. Pela primeira vez desde que eu ví a linda casa, ela me pareceu um local

apropriado para vampiros.

Eu pisei no freio, desviando o olhar. Eu estava com medo de ir mais em frente.

Mas nada aconteceu. Nenhuma voz na minha cabeça.

Então eu deixei o motor ligado e pulei pra fora no mar de grama. Talvez, como na

Sexta, se eu caminhasse em frente...

Eu me aproximei da entrada estéril, vaga, lentamente, minha caminhonete tremendo

num barulho reconfortante atrás de mim. Eu parei quando cheguei nas escadas da

entrada, porque não havia nada aqui. Nenhum senso demorado de presença... da

presença dele.

A casa estava solidamente alí, mas isso significava pouco. Essa concreta realidade não

ia afastar o vazio dos meus sonhos.

Eu não cheguei mais perto. Eu não queria olhar pela janela.

Eu não tinha certeza do que seria mais difícil de ver. Se os quartos estivessem vazios,

ecoando o vazio do chão até o teto, isso certamente ia doer. Como no enterro da minha

avó, quando minha mãe insistiu que eu ficasse do lado de fora durante a cerimônia. Ela

disse que eu não precisava ver vovó daquele jeito, me lembrar dela daquele jeito, era

melhor quando ela estava viva.

Mas será que não seria pior se não houvessem mudanças? Se os sofás estivessem lá

como da última vez que eu os havia visto, as pinturas nas paredes - pior ainda, o piano

na baixa plataforma? Era melhor ver a casa desaparecendo por inteiro, do que ver que

não havia nenhuma posessão física que os ligava de qualquer forma. Que tudo havia

permanecido, intocado e esquecido, pra trás deles.

Assim como eu.

Eu virei as costas para a brecha vazi, e me apressei para a minha caminhonete. Eu quase

corri. Eu estava ansiosa pra ir embora, pra voltar para o meu mundo humano. Eu me

sentia terrivelmente vazia, e eu queria ver Jacob. Talvez eu estivesse desenvolvendo

uma outra espécie de doença, outro vício, como a entorpecência de antes.

Eu não me importava. Eu forcei minha caminhonete a ir o mais rápido que ela podia

enquanto eu ia procurar a minha cura.

Jacob estava esperando por mim. Meu peito pareceu relaxar assim que eu ví ele,

tornando mais fácil respirar.

"Ei, Bella", ele chamou.

Eu sorrí aliviada. "Oi, Jacob". Eu acenei pra Billy, que estava olhando pela janela.

"Vamos trabalhar", Jacob disse numa voz baixa mas ansiosa.

De alguma forma consegui sorrir. "Você realmente não enjoou de mim ainda?" eu me

perguntei. Ele deve ter começado a se perguntar o quanto eu estava desesperada por

companhia.

Jacob guiou o caminho da sua casa até a garagem.

"Não. Ainda não".

"Por favor, me avise quando eu começar a enlouquecer os seus nervos. Eu não quero ser

um incômodo".

"Ok", ele sorriu, um som gutural. "Mas eu não seguraria o fôlego pra isso".

Quando nós entramos na garagem, eu fiquei chocada de ver a moto vermelha de pé,

parecendo mais um moto do que um monte de metal retorcido.

"Jake, você é incrivel", eu asfixiei.

Ele sorriu de novo. "Eu fico obcecado quando tenho um projeto". Ele levantou os

ombros. "Se eu tivesse cérebro, porém, eu ia arasar as coisas um pouco".

"Porque?"

Ele olhou pra baixo, pausando por tanto tempo que eu me perguntei se ele havia ouvido

a minha pergunta. Finalmente, ele me perguntou.

"Bella, se eu te disesse que não sabia concertar essas motos, o que você diria?"

Eu também não respondí na hora, e ele olhou pra cima pra olhar a minha expressão.

"Eu diria... que pena, mas nós vamos arranjar alguma outra coisa pra fazer. Se nós

estivessemos realmente desesperados, nós podíamos fazer o dever de casa".

Jacob sorriu e os ombros dele relaxaram. Ele sentou perto da moto e pegou um trapo.

"Então você acha que ainda vai vir quando eu tiver acabado?"

"Foi isso que você quis dizer?" eu balancei minha cabeça. "Eu

 

acho

que eu estou me

aproveitando das suas habialidades de mecânico gratuitas. Mas enquanto você quiser

que eu venha, eu venho".

"Esperando ver Quil de novo?" ele zombou.

"Você me pegou".

Ele gargalhou. "Você realmente gosta de passar tempo comigo?" ele perguntou

maravilhado.

"Muito, muito mesmo. E eu vou provar. Eu tenho que trabalhar amanhã, mas Quarta nós

vamos fazer alguma coisa que não envolva mecânica".

"Tipo o que?"

"Eu não tenho idéia. Nós podemos ir pra minha casa pra que você não fique tentado pela

sua obcessão. Você pode trazer o seu dever da escola - você deve estar ficando pra trás,

porque eu sei que estou".

"Dever de casa pode ser uma boa idéia", ele fez uma cara, e eu me perguntei quanta

coisa ele estava deixando de fazer pra ficar comigo.

"Sim", eu concordei. "Nós vamos ter que começar a sermos responsáveis

ocasionalmente, se não Billy e Charlie não vão facilitar pra nós". Eu fiz um gesto

indicando nós dois como uma só entidade.

Ele gostou disso - ele se iluminou.

"Dever de casa uma vez por semana?", ele propôs

"Talvez seja melhor duas", eu sugerí, pensando na pilha que eu tinha que fazer pra hoje.

Ele suspirou um suspiro pesado. Então ele se inclinou para a caixa de ferramentas pra

pegar uma sacola de papel de supermercado. Ele puxou duas latas de refrigerante,

abrindo uma e passando ela pra mim. Ele abriu a outra, e a segurou cerimonialmente.

"Á responsabilidade", ele brindou. "Duas vezes por semana".

"E a negligência nos dias restantes", eu enfatizei.

Ele sorriu e tocou a lata dele na minha.

Eu cheguei em casa mais tarde do que esperava e descobri que Charlie preferiu pedir

uma pizza do que me esperar. Ele não permitiu que eu me desculpasse.

"Eu não me importo", ele me garantiu. "De qualquer forma, você merecia uma folga da

cozinha".

Eu sabia que ele só estava aliviado porque eu estava agindo como uma pessoa normal, e

ele não queria afundar meu barco.

Eu chequei meu E-mail antes de começar a fazer o dever de casa, e havia um bem longo

de Renée.

Ele tagarelava sobre cada detalhe do que eu tinha escrevido pra ela, então eu escreví de

volta outra exaustiva descrição do meu dia.

Tudo menos as motos. Mesmo a cabeça de vento de Renée ficaria preocupada com isso.

A escola na terça teve seus altos e baixos. Angela e Mike realmente pareceram me

receber de volta com os braços abertos - pra gentilmente esquecer sobre os meus meses

de comportamento aberrante.

Jess estava mais resistente. Eu me perguntei se ela ia precisar de uma carta formal

pedindo desculpas pelo episódio de Port Angeles.

Mike estava animado e falante no trabalho. Parecia que ele havia gruardado um

semestre inteiro de conversas, e de repente estava soltando tudo. Eu descobri que era

capaz de rir e sorrir com ele, apesar de que não era tão sem esforço quanto com Jacob.

Mas me pareceu inofensivo o suficiente, até a hora de ir embora.

Mike colocou a placa de fechado na janela enquanto eu dobrava meu uniforme e o

colocava embaixo do balcão.

"Hoje foi divertido" Mike disse feliz.

"É", eu concordei, apesar de que eu ia preferir ter passado essa tarde na garagem.

"É uma pena que você tenha que ter saído do filme mais cedo na semana passada".

Eu fiquei um pouco confusa com essa direção dos pensamentos. Eu levantei os ombros.

"Eu só uma chorona, eu acho".

"O que eu quero dizer é, você devia ir assistir um filme melhor, algum que você

gostasse", ele explicou.

"Oh", eu murmurei, ainda confusa.

"Tipo talvez essa Sexta. Comigo. Nós podemos ir assistir uma coisa que não seja

assustadora".

Eu mordí meu lábio.

Eu não queria estragar as coisas com Mike, não quando ele era uma das únicas pessoas

a me perdoar por ter sido louca. Mas isso, de novo, parecia familiar demais. Como se o

ano passado nunca tivesse acontecido. Eu queria ter Jess como desculpa dessa vez.

"Tipo um encontro?" eu perguntei. Honestidade era provavelmente o melhor caminho

nessa hora. Lidar com isso.

Ele processou o som da minha voz. "Se você quiser. Mas não tem que ser desse jeito".

"Eu não tenho encontros", eu disse lentamente, me dando conta do quanto isso era

verdade. Esse mundo todo agora parecia impossivelmente distante.

"Só como amigos?", ele sugeriu. Seus claros olhos azuis não estavam mais ansiosos. De

qualquer forma, eu realmente esperava que ele estivesse falando sério quando disse que

podíamos ser amigos.

"Isso seria divertido. Mas na verdade eu já tenho planos pra essa Sexta, então talvez

semana que vem?"

"O que você vai fazer?" ele perguntou, menos casualmente do que eu achava que ele

queria fazer parecer.

"Dever de casa. Eu tenho uma... sessão de estudos planejada com um amigo".

"Oh. Ok. Talvez semana que vem".

Ele me acompanhou até o meu carro, menos exuberante que antes. Isso me lembrava tão

claramente os meus primeiros meses em Forks. O círculo havia se fechado, e agora tudo

parecia um eco - um eco vazio, destituído do interesse que ele costumava ter.

Na noite seguinte, Charlie não pareceu nem um pouco surpreso de ver Jacob e eu

espalhados na sala de estar com nossos livros espalhados ao nosso redor, então eu acho

que ele e Billy estiveram fofocando pelas nossas costas.

"Ei, crianças", ele disse, seus olhos se esticando para a cozinha.

O cheiro da lasanha que eu passei a tarde fazendo- enquanto Jacob oservava e

ocasionalmente experimenteva - se espalhava pela sala; eu estava sendo boazinha,

tentando me redimir de toda a pizza.

Jacob ficou para o jantar, e levou um prato pra casa pra Billy. Ele invejosamente

adicionou um ano na minha idade negociável por eu ser boa cozinheira.

Sexta foi a garagem, e Sábado, depois do meu turno na Newton's, foi o dever de casa de

novo. Charlie se sentia seguro o suficiente da minha sanidade pra ir pescar com Harry.

Quando ele voltou, nós já havíamos terminado - e nos sentindo muito sensíveis e

maduros por isso também - e estávamos assistindo

 

Monster Garage

no Discovery

Channel.

"Eu provavelmente devia ir", Jacob suspirou. "Está mais tarde do que eu esperava".

"Ok", tá legal" eu rosnei. "Eu vou te levar pra casa".

Ele sorriu com a minha expressão de má vontade - isso pareceu agradá-lo.

"Amanhã, de volta ao trabalho", eu disse assim que estavamos seguros na minha

caminhonete. "A que horas você quer que eu apareça?"

Havia uma excitação inexplicada no sorriso de resposta dele. "Eu vou te ligar antes, tá

legal?"

"Claro", eu fiz uma careta pra mim mesma, imaginando o que estava acontecendo. O

sorriso dele cresceu.

Eu limpei a casa na manhã seguinte - esperando Jacob ligar e tentando esquecer o

pesadelo. O cenário havia mudado. Na última noite eu vaguei num mar de grama que se

intercalava com enormes árvores de cicuta. Não havia nada mais lá, e eu estava perdida,

e eu vagava á toa e sozinha, procurando por nada. Eu queria poder me chutar por aquela

estúpida viagem na semana passada. Eu expulsei o sonho da minha mente consciente,

esperando que ele ficasse preso em algum lugar e não escapasse de novo.

Charlie estava do lado de fora lavando a viatura, então quando o telefone tocou, eu

larguei a escova do banheiro e corrí lá pra baixo pra atender.

"Alô?", eu perguntei sem fôlego.

"Bella", Jacob disse com um estranho tom formal na voz.

"Oi, Jake"

"Eu acredito que... nós temos um

 

encontro

", ele disse, seu tom estava cheio de

implicações.

Eu levei um segundo pra entender. "Elas estão prontas? Eu não acredito!" Que timing

perfeito. Eu precisava de alguma coisa pra me distrair dos pesadelos e do vazio.

"É, elas estão correndo e tudo mais".

"Jacob, você é, sem dúvida, a pessoa mais talentosa e maravilhosa que eu conheço.

Você ganhou dez anos por isso".

"Legal! Eu já sou de meia idade agora".

Eu sorrí. "Eu estou chegando lá".

Eu joguei os suplementos de limpeza embaixo da pia do banheiro e peguei meu casaco.

"Vai ver Jake", Charlie disse quando eu passei correndo por ele. Não era realmente uma

pergunta.

"É", eu respondí enquanto pulava dentro da minha caminhonete.

"Eu vou estar na delegacia mais tarde" Charlie disse atrás de mim.

"Tá legal", eu gritei de volta, ligando a chave.

Charlie disse mais alguma coisa, mas eu não conseguí ouví-lo claramente por causa do

ronco do motor. Pareceu com alguma coisa tipo. "Onde é o incêndio?"

Eu estacionei minha caminhonete do lado da casa dos Black, perto das árvores, pra

facilitar quando tivessemos que escapar com as motos. Quando eu saí, um flash de cor

apareceu na frente dos meus olhos - duas motos brilhantes, uma vermelha, uma preta,

estavam escondidam embaixo de uma árvore, invisível da casa. Jacob estava preparado.

Havia um pedaço de fita azul amarrado como um laço ao redor do guidão. Eu estava

rindo disso quando Jacob saiu correndo da casa.

"Pronta?", ele perguntou numa voz baixa, os olhos dele estavam brilhantes.

Eu olhei por cima do ombro dele, e não havia sinal de Billy.

"É", eu disse, mas eu não me sentia mais tão excitada quanto antes; eu estava tentando

me imaginar realmente

 

em

uma moto.

Jacob colocou as motos na traseira da caminhonete com facilidade, colocando-as

cuidadosamente de lado pra que elas não aparecessem.

"Vamos lá", ele disse, a voz dele mais alta que o normal com a excitação. "Eu conheço

o lugar pefeito - ninguém vai nos pegar lá".

Nós dirigimos para o sul da cidade. A estrada de terra passava por dentro e por fora da

floresta - as vezes não havia nada além de árvores, e então haviam vistas de tirar o

fôlego do oceano pacífico, alcançando o horizonte, cinza escuro por baixo da nuvens.

Nós estávamos acima da costa, no topo dos penhascos que cercavam a praia aqui, e a

vista parecia durar pra sempre.

Eu estava dirigindo devegar, pra que assim eu pudesse olhar com segurança de vez em

quando para o oceano, enquanto a estrada se aproximava dos penhascos do mar. Jacob

estava falando em terminar as motos, mas as descrições dele estavam ficando técnicas,

então eu não estava prestando um pingo de atenção.

Foi aí que eu ví quatro figuras na encosta de pedra, muito perto de precipício. Eu não

podia dizer pela distância a idade deles, mas eu presumia que fossem todos homens.

Apesar do frio que estava fazendo hoje, eles pareciam estar usando apenas shorts.

Enquanto eu observava a pessoa mais alta se aproximou do abismo. Eu diminui

automaticamente, meu pé hesitante no pedal do freio.

E então ele se atirou do precipício.

"Não!", eu gritei, pisando com tudo no freio.

"Qual é o problema?", Jacob gritou de volta, alarmado.

"O cara - ele

 

pulou do penhasco

! Porque eles não o pararam? Nós temos que chamar

uma ambulância!" Eu abri minha porta e comecei a sair do carro, e isso não fazia o

mínimo sentido.

O jeito mais rápido de encontrar um telefone seria voltar dirigindo para a casa de Billy.

Mas eu não conseguia acreditar no que eu havia acabado de ver. Talvez,

subconscientemente, eu esperava que eu visse alguma coisa diferente sem o parabrisa

no meu caminho.

Jacob sorriu, e eu me virei pra ele selvagem. Como era que ele podia ser tão cruel, tão

sangue frio?

"Eles só estão praticando mergulho no penhasco, Bella. Recreação. La Push não tem um

shopping, sabe". Ele estava zombando, mas havia uma estranha nota de irritação na voz

dele.

"Mergulhando no penhasco?" eu repetí, confusa. Eu olhei sem acreditar enquanto uma

segunda figura se aproximou da beira, pausou, e então muito graciosamente se atirou no

espaço. Ele ficou caindo pelo que pareceu uma eternidade pra mim, finalmente caindo

vagarosamente nas ondas cinza escuras abaixo.

"Uau. É tão alto." Eu voltei pra meu banco, ainda olhando com os olhos esbugalhados

para os outros dois restantes. "Devem ser mais de cem metros".

"Bem, é, a maioria de nós pula do mais baixo, aquela outra pedra alí junto no meio", ele

apontou pela sua janela. O lugar que ele apontou parecia ser muito mais razoável.

"

 

Aqueles

caras são insanos. Eles provavelmente querem mostrar o quanto são durões.

Quer dizer, fala sério, hoje está congelando. Aquela água não pode estar boa" Ele fez

uma cara enfadada, como se aquela demonstração o ofendesse pessoalmente. Eu tinha

pensado que Jacob era quase impossível de aborrecer.

"

 

Você

pula do penhasco?" eu prestei atenção no "nós".

"Claro, claro" Ele levantou os ombros e riu. "É divertido. Um pouco assutador, por

causa da adrenalina".

Eu olhei de volta para os penhascos, onde a terceira figura estava se aproximando da

beira. Eu nunca tinha presenciado uma coisa tão discuidada em toda a minha vida. Meus

olhos se arregalaram e eu sorrí. "Jake, você tem que me levar pra mergulhar do

penhasco".

Ele fez uma careta pra mim, seu rosto desaprovando. "Bella, você queria que eu

chamasse uma ambulância pra Sam", ele me lembrou. Eu fiquei surpresa que ele

soubesse dizer quem era dessa distância.

"Eu posso tentar." eu insistí, começando a sair do carro de novo.

Jacob agarrou meu pulso. "Hoje não, tá legal? Será que podemos pelo menos esperar

um dia mais quente?"

"Ok, tá certo", eu concordei. Com a porta aberta, a brisa glacial estava fazendo o meu

braço se arrepiar. "Mas eu quero ir logo".

"Logo", Ele rolou os olhos. "As vezes você é um pouco estranha, Bella. Você sabia

disso?"

Eu suspirei. "Sim"

"E nós não vamos pular do topo".

Eu observei, fascinada, enquanto o terceiro garoto fazia uma corrida de preparação e se

atirava no ar num espaço ainda mais vazio que os outros dois. Ele se torcia e rodopiava

no espaço enquanto caia, como se ele estivesse pulando para quedas.

Ele estava absolutamente livre - sem pensar e incrivelmente irresponsável.

"Tá legal", eu concordei. "Pelo menos, não da primeira vez".

Agora Jacob suspirou.

"Nós vamos testar as motos ou não?", ele quis saber.

"Tá bom, tá bom", eu disse, tirando meus olhos da última pessoa que se preparava pra

pular no penhasco. Eu recoloquei meu cinto de segurança e fechei a porta. O motor

ainda estava ligado, roncando enquanto estava inativo. Nós continuamos na estrada de

novo.

"Quem eram aqueles caras - os loucos?" eu imaginei.

Ele fez um som de novo no fundo da garganta. "A gangue de La Push".

"Vocês têm uma gangue?" eu perguntei. Eu me dei conta de que parecia impressionada.

Ele riu uma vez com a minha reação. "Não desse jeito. Eu juro, eles são como monitores

de corredor que ficaram maus. Eles não começam brigas, eles mantêm a paz". Ele

bufou. "Tem esse cara que vem de algum lugar em Makah rez, um cara grande também,

com uma cara assustadora. Bem, as pessoas dizem que ele estava vendendo metanol

para as crianças, e Sam Uley e seus

 

discípulos

o expulsaram daqui. Eles são cheios de

nossa terra

 

e orgulho da tribo... está ficando ridículo. A pior parte é que o concelho os

leva a sério. Embry disse que na verdade, o concelho até se encontra com Sam", Ele

balançou a cabeça, o rosto cheio de ressentimento. "Embry também ouviu de Leah

Clearwater que eles se chamam de 'protetores' ou alguma coisa assim".

As mãos de Jacob estavam curvados nos punhos, como se ele estivesse pronto pra bater

em alguma coisa. Eu nunca tinha visto esse outro lado dele.

Eu fiquei surpresa ao ouvir o nome de Sam Uley.

Eu não queria que isso trouxesse de volta as imagens do meu pesadelo, então eu fiz uma

rápida observação pra me distrair.

"Você não gosta muito deles".

"Dá pra notar?", ele perguntou sarcasticamente.

"Bom... não parece que eles estão fazendo nada de errado". Eu tentei amaciá-lo, pra

deixá-lo alegre de novo. "Só um bando de chatos bonzinhos demais pra ser uma

gangue".

"É. Chatos é uma boa palavra. Eles sempre estão se mostrando - como a coisa do

penhasco. Eles agem como... como, eu não sei. Como caras durões. Eu estava numa loja

com Embry e Quil uma vez, semestre passado e Sam veio até nós com os

 

seus

seguidores

 

, Jared e Paul. Quil disse alguma coisa, você sabe que ele tem a boca grande,

e isso tirou Paul do sério. Os olhos dele ficaram escuros, e ele meio que sorriu - não, ele

mostrou os dentes, mas não sorriu - e era como se ele estivesse com tanta raiva que ele

começou a tremer ou alguma coisa assim. Mas Sam colocou a mão no peito de Paul e

balançou a cabeça. Paul olhou pra ele por um minuto e se acalmou.

Honestamente, era como se Sam estivesse controlando ele - como se Paul fosse

esquertejar a gente se Sam não o tivesse parado". Ele rugiu. "Como um faroeste ruim.

Sabe, Sam é um cara bem grande, ele tem vinte. Mas Paul só tem dezesseis também, é

mais baixo que eu e mais magro que Quil. Eu acho que qualquer um de nós podia ter

lidado com ele".

"Caras durões" eu concordei. Eu podia ver na minha cabeça como ele descrevia, e isso

me lembrou de uma coisa... um trio de homens altos, escuros empá muito rígidos e

muito próximos uns dos outros na sala de estar do meu pai. A imagem estava de lado,

porque a minha cabeça estava deitada no sofá enquanto o Dr. Gerandy e Charlie se

inclinavam sobre mim... Aquela seria a gangue de Sam?

Eu falei rapidamente de novo pra me distrair das memórias. "Sam não é um pouco velho

demais pra esse tipo de coisa?"

"É. Ele tinha que ter ido para a faculdade, mas ele ficou. E ninguém implicou com ele

também. O concelho inteiro criticou quando a minha irmã largou uma bolsa de parcial e

se casou. Mas, oh não, Sam Uley não faz nada de errado".

O rosto dele possuia linhas não familiares de ultraje - ultraje eu outra coisa que eu não

reconhecí no começo.

"Isso parece realmente incômodo e... estranho. Mas eu não entendo porque você está

levando isso pro lado pessoal". Eu dei uma olhada pro rosto dele, esperando não o ter

ofendido. De repente ele estava calmo, olhando pra fora pela janela.

"Você perdeu a curva", ele disse numa voz uniforme.

Eu fiz uma curva U apertada, quase batendo numa árvore quando o círculo meio que

tirou a minha caminhonete da estrada.

"Obrigada pela direção", eu murmurei enquanto comecei a subir na estrada.

"Desculpe, eu não estava prestando atenção".

Ficou silencioso por um breve minuto.

"Você pode parar em qualquer lugar por aqui", ele disse suavemente.

Eu encostei e desliguei o motor. Meu ouvidos tinlitaram com o silêncio que se seguiu.

Nós dois saímos, e Jacob foi pra trás para pegar as motos. Eu tentei ler a expressão dele.

Algo o estava incomodando. Eu toquei um nervo.

Ele sorriu meio sem vontade enquanto empurrava a moto vermelha para o meu lado.

"Feliz aniversário atrasado. Você está pronta pra isso?"

"Eu acho que sim". A moto de repente parecia intimidante, assustadora, enquanto eu me

dava conta que em breve estaria guiando ela.

"Nós vamos devagar", ele prometeu. Eu cuidadosamente encostei a moto na lateral da

caminhonete enquanto ele ia buscar a dele.

"Jake?", eu perguntei hesitante enquanto ele dava a volta pela caminhonete.

"Sim?"

"O que é que tá te incomodando? Sobre o negócio de Sam, eu quero dizer? Há algo

mais?" Eu observei o rosto dele. Ele fez uma careta, mas ele não parecia com raiva. Ele

olhava para a poeira e chutava o pneu da frente da sua moto de novo e de novo, como se

ele estivesse poupando tempo.

Ele suspirou. "É só que... o jeito que eles me tratam. Isso me assusta".

As palavras começaram a sair apressadas agora.

"Sabe, o concelho deve ser feito por iguais, mas se houvesse um líder, ele seria meu pai.

Eu nunca fui capaz de entender o jeito como as pessoas o tratam. Porque a opinião dele

é a que mais conta. Tem alguma coisa a ver com o pai dele e com o pai do pai dele. Meu

bisavô, Ephraim Black, foi meio que o último chefe que tivemos, e eles ainda escutam o

Billy, talvez por causa disso.

"Mas eu sou como qualquer outra pessoa. Ninguém

 

me

tratava de um jeito especial... até

agora".

Isso me pegou fora de guarda. "Sam te trata de um jeito especial?"

"É", ele concordou, olhando pra mim com olhos confusos. "Ele olha pra mim como se

estivesse esperando alguma coisa... como se algum dia eu fosse me juntar á estúpida

gangue dele algum dia. Ele presta mais atenção em mim do que nos outros caras. Eu

odeio isso".

"Você não tem que se juntar a nada", minha voz estava enraivada. Isso realmente estava

aborrecendo Jacob, e isso me enfurecia. Quem esses "protetores" pensavam que eram?

"É", o pé dele mantinha o ritmo contra o pneu.

"O que?", eu podia notar que tinha algo mais.

Ele fez uma carranca, as sobrancelhas dele se juntando de um jeito que parecia mais

triste e preocupado do que com raiva. "É Embry. Ele tem me evitado ultimamente".

Os pensamentos não pareciam estar conectados, mas eu me perguntava se a culpa era

minha por ele estar tendo problemas com os amigos.

"Você está andando demais comigo", eu o lembrei, me sentindo egoísta. Eu estava

monopolizando ele.

"Não, não é isso. Não sou só eu - é Quil também, e todo mundo. Embry perdeu uma

semana de aula, mas ele nunca estava em casa quando nós tentávamos vê-lo. E quando

ele voltou, ele parecia... ele parecia maluco. Aterrorizado. Tanto Quil quanto eu

tentamos fazê-lo contar o que estava acontecendo, mas ele não fala com nenhum de

nós".

Eu olhei pra Jacob, mordendo meu lábio ansiosamente - ele estava realmente assustado.

Mas ele não olhou pra mim.

Ele observava seu prórpio pé chutando a borracha como se ele pertencesse a outra

pessoa. O ritmo ficou mais rápido.

"Então essa semana, do nada, Embry começou a sair com Sam e o resto deles. Ele

estava nos penhascos hoje". A voz dele estava baixa e tensa.

Ele finalmente olhou pra mim. "Bella, eles o chateavam muito mais do que a mim. Ele

não queria nada com eles. E agora Embry está com eles como se tivesse se juntado a um

culto.

"E era assim com Paul. Exatamente igual. Ele não era nem um pouco amigo de Sam.

Então ele parou de ir para a escola por algumas semanas, e, quando voltou, Sam de

repente era dono dele. Eu não sei o que isso significa. Eu não consigo entender, mas eu

sinto que devo, porque Embry é meu amigo e... Sam está me olhando estranho... e..."

Ele parou.

"Você já falou com Billy sobre isso?", eu perguntei. O horror dele estava passando pra

mim. Eu sentia os arrepios passando na minha nuca.

Agora havia raiva no rosto dele. "Sim", ele bufou. "Isso foi de grande ajuda".

"O que foi que ele disse?"

A expressão de Jacob era sarcástica, e quando ele falou, a voz dele imitava o tom

profundo da voz do pai. "Não é nada com o que você precise se preocupar agora, Jacob.

Em alguns anos, se você não... bem, eu vou explicar depois". E então a voz dele voltou

ao normal.

"O que é que eu devia entender com isso? Ele está tentando dizer que isso é coisa da

estúpida puberdade, da idade? Isso é outra coisa. Algo errado".

Ele estava mordendo o lábio de baixo e apertando as mãos. Parecia que ele estava

prestes a chorar.

Eu joguei meus braços ao redor dele instintivamente, os envolvendo na cintura dele e

colocando meu rosto no seu peito. Ele era tão grande, que eu me sentí como uma

criança abraçando um adulto.

"Oh, Jake, vai ficar tudo bem!", eu prometí. "Se isso piorar você pode ir morar com

Charlie e comigo. Não fique assustado, nós vamos pensar em alguma coisa!"

Ele ficou congelado por um segundo, e então ele envolveu seus longos braços

hesitantemente ao meu redor. "Obrigado, Bella".

A voz dele estava mais rouca do que o normal.

Nós ficamos daquele jeito por um momento, e isso não me incomodou; na verdade, eu

me sentia confortável com o contato. Isso não parecia nem um pouco com a última vez

que eu havia sido abraçada por alguém. Isso era amizade. E Jacob era quentinho.

Era estranho pra mim, ficar perto assim - mais emocionalmente que fisicamente, apesar

de o físico ser estranho pra mim também - de outro ser humano. Não era o meu estilo

normal. Eu geralmente não me relacionava com as pessoas tão facilmente, num nível

tão básico.

Não com seres humanos.

"Se é assim que você vai reagir, eu vou enlouquecer mais vezes". A voz de Jacob estava

leve, normal de novo, e o sorriso dele estrondou nos meus ouvidos. Os dedos dele

tocaram meus cabelos, leves e tentadores.

Bem, era amizade pra mim.

Eu me separei rapidamente, rindo com ele, mas determinada a colocar as coisas de volta

em perspectiva rapidinho.

"É difícil de acreditar que eu sou dois anos mais velha que você", eu disse enfatizando

as palavras

 

mais velha

. "Você faz eu me sentir uma anã", ficando perto dele eu

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